segunda-feira, 28 de junho de 2010

Todos


Quero isto

Cercar-me de poesia

Por todos os lábios



Líria Porto

Clareando


Todas as coisas têm o seu mistério

E a poesia é o mistério de todas as coisas




Frederico Garcia Lorca

Risco ou Possibilidade


No poema

Cada qual descobre o que deseja ver

E como quer ver



Helena Kolody

Apaixonados


Era uma vez o Ernesto, um menino que gostava muito de chatear as meninas
e principalmente a Salomé.
Era uma vez a Salomé, a menina que foi contar à mãe tudo o que o Ernesto lhe tinha feito.
Tudo: puxado o cabelo, agarrado o capuz, arrancado os óculos, de próposito.
Então a mãe disse-lhe que o Ernesto com certeza queria brincar com ela, mas que não sabia como pedir-lhe. A mãe disse-lhe ainda que talvez o Ernesto estivesse apaixonado pela Salomé.
No recreio, a Paula perguntou:
- Apaixonado pela Salomé! O que é isso? Apaixonado?
Mas a Salomé também não sabia o que era isso.O que o Abel sabia era que se podia cair, cair de paixão por alguém. A Salomé já tinha caído muitas vezes de bicicleta, mas de paixão, nunca!
- Os apaixonados só existem nos contos!- afirmou o Guilherme.
- Pois é!Com príncipes e princesas.
-Com roupas lindas? E com espadas? Com reis e rainhas?
- E dragões!
- Então os apaixonados não existem? - perguntou a Salomé.
-A Justina acha que estamos apaixonados quando nos sentimos tristes ou muito tímidos e sobretudo quando coramos muito.
- Quando ficamos hipnotizados! - exclamou Abel.
A Salomé concluiu que enlouquecemos um pouco quando estamos apaixonados!
A pequena Ana já tinha ouvido falar de paixão, uma espécie de raio que nos atinge.
- Um raio de fogo!
- E queima?-
É como um relâmpago! É uma trovoada!
- Mas afinal chove?
Então a Salomé pensou que era melhor ter um guarda-chuva para estar apaixonado!
Mas o Aristides disse que estar apaixonado está no coração.
- Quer dizer que sentimos uma dor no coração? Que dá febre?
E que nos tira as forças? Ficamos doentes?
Como é cansativo estar apaixonado! -suspirou a Salomé.


Rebecca Dautremer

Longe


O encurtamento dos olhos

É só do lado de fora

Por dentro eu vejo tudo muito comprido



Ana Jácomo

domingo, 27 de junho de 2010

Poema


O meu poema é feito

Para ser imagem (sem ser visto)

E falar em silêncio de um suspiro refletido

É lido para ser pensado

E viver no pensamento adormecido

Como um vôo de pássaro que passou

O meu poema é um jeito de fechar os olhos



Lilia Chaves

Sentido


Nas ligações do coração, como nas estações

Os primeiros frios são os mais sensíveis

Bernard Fontenelle

domingo, 20 de junho de 2010

Babel


Todos os dicionários juntos

Não contêm nem metade

Dos termos de que precisaríamos

Para nos entendermos uns aos outros



José Saramago

Momentos


Há momentos assim na vida

Descobre-se inesperadamente que a perfeição existe

Que é também ela uma pequena esfera que viaja no tempo

Vazia, transparente, luminosa, e que às vezes (raras vezes)

Vem na nossa direção, rodeia-nos por breves instantes

E continua para outras paragens e outras gentes
=
José Saramago

Um descanso no caminho


O viajante está feliz

Nunca na vida teve tão pouca pressa

Senta-se na beira de um destes túmulos
=
Afaga com as pontas dos dedos

A superfície da água, tão fria e tão viva

E por um momento
=
Acredita que vai decifrar todos os segredos do mundo

É uma ilusão que o assalta de longe em longe
=
Não lho levem a mal


José Saramago

Livros


Começar a ler foi para mim como entrar num bosque pela primeira vez

E encontrar-me, de repente, com todas as árvores

Todas as flores, todos os pássaros

Quando fazes isso, o que te deslumbra é o conjunto

Não dizes: gosto desta árvore mais que das outras

Não, cada livro em que entrava, tomava-o como algo único
=
José Saramago

segunda-feira, 14 de junho de 2010

Saber sentir


Posso não ter a menor idéia do que eu estava fazendo

Mas sabia exatamente o que eu estava sentindo



Lídia Martins

Colorir


Ser camaleão é fácil

Roubar as cores da vida e nelas diluir-se

Difícil é encarar um mundo desbotado

E emprestar a ele cores suas

Autor Desconhecido

domingo, 13 de junho de 2010

Arco Íris de enganos


Gostava de tinto e bebia verde

Gostava de Cesário Verde e lia Guimarães Rosa

Apaixonou-se por Rosa e casou-se com Violeta

O daltonismo tem destas coisas

Até jura que tem sangue azul



Fernando Gomes

O paraíso imperfeito


Disse mecanicamente o homem sem tirar a vista das chamas

Que ardiam na lareira naquela noite de inverno


- No paraíso há amigos, música, alguns livros

O único mal de ir para o céu

É que dali o céu não se vê




Augusto Monterroso

Então assim


Me aguarda e me convida

Minha vida nessa ansiedade por fim entrego

E nesse amor feito de espuma colorida

Nós flutuamos:

Você borbulha, eu escorrego

Ensaboados

Você explode

Eu me desintegro



Flora Figueiredo

A Alegria de Gostar


-Se a Maria tem três maçãs

E dá uma ao Nicolás

Com quantas fica?

- Em que pensas, Nicolás?

Não sabes a resposta?



- Se a Maria me dá uma maçã

Ainda me resta uma esperança



Jairo Aníbal Niño

Flores


As flores nunca morrem

Deitam sobre o chão

Se afundam na terra

E depois renascem



Cáh Morandi