sexta-feira, 14 de julho de 2006

O Sono das Águas


"Há uma hora certa,
no meio da noite,
uma hora morta,
em que a água dorme.
Todas as águas dormem:
no rio, na lagoa, no açude, no brejão,
nos olhos d'água, nos grotões fundos.
E quem ficar acordado, na barranca,
a noite inteira,
há de ouvir a cachoeira parar a queda e o choro,
que a água foi dormir...

Águas claras, barrentas,
sonolentas, todas vão cochilar.
Dormem gotas, caudais, seivas das plantas,
fios brancos, torrentes.
O orvalho sonha nas placas da folhagem e adormece.
Até a água fervida,
nos copos de cabeceira dos agonizantes...

Mas nem todas dormem,
nessa hora de torpor líquido e inocente.
Muitos hão de estar vigiando,
e chorando, a noite toda,
porque a água dos olhos nunca tem sono..."

Guimarães Rosa

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