segunda-feira, 26 de outubro de 2009

Ele acordou, ela ...


Eu isolo os cabelos, ela ajeita as mechas negras
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Eu sou verde, ela azul
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Eu tenho o nariz de um dobrão espanhol, ela alegra as frutas
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Eu tenho os olhos renascentistas, ela um olhar impressionista
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Eu ando nos cantos dos caminhos, ela solta os caminhos sem perceber


Eu me arrisco na arrebentação, ela espera a visita do mar
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Eu sou da meia-noite, ela é do meio-dia
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Eu deito no lado esquerdo, ela amplia o direito
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Eu durmo de tevê acesa, ela sonha com o rádio ligado
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Eu esqueço moedas e passagens nos bolsos, ela recolhe o resumo da roupa na máquina
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Eu uso o telefone como orelha da porta, ela é a chamada a cobrar
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Quando distraído, eu faço poesia atenta, quando atenta, ela faz poesia distraída

Eu tenho pés chatos e piso em falso, ela enxerga duplo e aprecia em dobro

Eu danço fora da música, ela dança com a música de dentro

Eu não sei fazer churrasco, ela faz de conta que não precisa

Eu faço as contas, ela enrola o terço na cama para dar sorte
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Eu tomo café forte, ela mede a fumaça com a colher
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Eu sou redundância, ela é o eufemismo


Eu não uso aspas, ela usa chapéu na praia

Eu leio estirado como uma chama, ela lê com as pernas dobradas

Eu compro o fútil, ela compra o necessário

Eu me perco em lugares abertos, ela se perde em lugares fechados

Eu falo sem parar, ela ouve sem dormir

Eu prefiro estacionar nas esquinas, ela me centra

Eu compro jornal, ela é quem lê


Eu escapo dos deveres, ela paga guardador de carro

Eu me visto sem olhar, ela corrige o que não vi

Ela não fica doente, eu adoeço quando estou nervoso

Ela pensa em tudo, eu penso o que não sobra

Eu extravio nomes, ela extravia rostos

Eu não guardo telefones, ela memoriza a lista

Eu não canto, ela me legenda o som

Eu erro na pronúncia, ela é vento simultâneo

Depois do prazer, fico com insônia, depois do prazer, ela quer dormir

Eu tenho um porão de lembranças, ela tem um sótão

Eu entro nas recordações pelos fundos, ela entra pela frente

Eu me alumbro com a mentira, ela se deslumbra com a verdade

Eu não me repito, ela imita sotaques

Eu faço amigos rápido, ela exige convivência

Eu compro as verduras que não prestam, ela cansou de me ensinar

Eu não sei contar piadas, ela não gosta de piada

Eu imagino, ela desabafa

Eu fico calmo na tristeza, ela explode de raiva

Eu alimento pressentimentos, ela confia em fatos

Ela pede desculpas, eu continuo acusando

Eu peço desculpas, ela já esqueceu

Eu sinto ciúmes de velhos amores, ela sente ciúmes de novos amores

Eu vejo a dor como uma trégua, ela observa a dor como uma lacuna

Eu me interesso pelo objeto quando o perco, ela se interessa quando o reencontra

Eu sou obcecado, ela é cautelosa

Eu sou perfeccionista, ela é comovida

Eu improviso, ela planeja

Eu fujo do aniversário, ela ensaia o seu com antecedência

Eu puxo sua cadeira, ela me seduz de lado

Eu sou uma cidade de baixo, ela é a cidade vista de cima

Eu me vingo, ela perdoa

Eu sou passional, ela pacifica

Eu me hospedo quando ela viaja, ela reside em minhas viagens

Eu acredito em Deus, Deus acredita nela

Eu rezo ao sair de casa, ela reza ao chegar

Eu escalo árvores, ela rega relâmpagos

Nenhuma noite é como as outras, as outras noites são dias inventados

Nossa risada se bate no escuro

Carpinejar

1 comentário:

Teco disse...

Sensacional o texto.

Obrigado por deixar eu fazer parte desse seu "canto". E sabendo da importância dele pra vc, me sinto lisonjeado.

Kiss na Kiss do Teco