Como nasceu a alegria
Você pode não acreditar, mas é verdade: muitos anos atrás a terra era um jardim maravilhoso.
É que os anjos, ajudados pelos elefantes, regavam tudo, com regadores cheios de água que eles tiravam das nuvens. Esta era a sua primeira tarefa, todo dia. Se esquecessem, todas as plantas morreriam, secas, estorricadas. Para que isso não acontecesse, Deus chamou o galo e lhe disse:
- Galo, logo que o sol aparecer, bem cedinho, trate de cantar bem alto para que os anjos e os elefantes acordem.
E é por isto que, ainda hoje, os galos cantam de manhã. Flores havia aos milhares. Todas eram lindas. Mas, infelizmente, todas elas eram igualmente vaidosas e cada uma pensava ser a mais bela.E, exibindo as suas pétalas, umas para as outras, elas se perguntavam, sem parar:
- Não sou a mais linda de todas?
Até pareciam a madrasta da Branca de Neve. Por causa da vaidade, nenhuma delas ouvia o que as outras diziam e nem percebiam que todas eram igualmente belas.Por isso, todas ficavam sem resposta. E eram, assim, belas e infelizes.No meio de tanta beleza infeliz, entretanto, certo dia uma coisa inesperada aconteceu. Uma florinha, que estava crescendo dentro de um botão, e que deveria ser igualmente bela e infeliz, cortou uma de suas pétalas num espinho, ao nascer. A florinha nem ligou e vivia muito feliz com sua pétala partida. Ela não doía. Era uma pétala macia. Era amiga. Até que ela começou a notar que as outras flores a olhavam com olhos espantados. E percebeu, então, que era diferente.
- Por que é que as outras flores me olham assim, papai, com tanto espanto, olhos tão fixos na minha pétala?
- Por que será? Que é que você acha?, perguntou o pai.
Na verdade, ele bem sabia de tudo. Mas ele não queria dizer. Queria que a florinha tivesse coragem para olhar para as vaidosas e amar a sua pétala.
- Acho que é porque eu sou meio esquisita. A florinha respondeu.E ela foi ficando triste, triste. Não por causa da sua pétala rachada, mas por causa dos olhos das outras flores.
- Já estou cansada de explicar. Eu nasci assim. Mas elas perguntam, perguntam, perguntam. Até que ela chorou. Coisa que nunca tinha acontecido com as flores belas e infelizes.A terra levou um susto quando sentiu o pingo de uma lágrima quente, porque as outras flores não choravam. E ela chamou a árvore e lhe contou baixinho:
- A florinha está chorando. E a terra chorou também.A árvore chamou os pássaros e lhes contou o que estava acontecendo. E, enquanto falava, foi murchando, esticando seus galhos num longo lamento, e continua a chorar até hoje, à beira dos rios e dos lagos, aquela árvore triste que tem o nome de chorão. E das pontas dos seus galhos correram as lágrimas que se transformaram num fiozinho de água.Os pássaros voaram até as nuvens.
- Nuvens, a florinha está chorando.E choraram lágrimas que se transformaram em pingos de chuva.As nuvens choraram também, juntando-se aos pássaros numa chuva enorme, choro do céu.As lágrimas das nuvens molharam as camisolas dos anjinhos que brincavam no céu macio. E quiseram saber o que estava acontecendo. E quando souberam que a florinha estava chorando, choraram também.E Deus, que era uma flor, começou a chorar também.E a sua dor foi tão grande que, devagarinho, como se fosse espinho, ela foi cortando uma de suas pétalas. E Deus ficou tal e qual a florinha.E aquele choro todo, da terra, das árvores, dos pássaros, dos anjos, de Deus, virou chuva, como nunca havia caído.O sol, sempre amigo e brincalhão, não agüentou ver tanta tristeza. Chorou também. E a sua boca triste virou o arco-íris.E as chuvas viraram rios e os rios viraram mares. Nos rios nasceram peixes pequenos. Nos mares apareceram os peixes grandes.A florinha abriu os olhos e se espantou com todo aquele reboliço. Nunca pensou que fosse tão querida. E a sua tristeza foi virando, lá dentro, uma espécie de cócega no coração, e sua boca se entortou para cima, num riso gostoso.E foi então que aconteceu o milagre.As flores belas e infelizes não tinham perfume, porque nunca riam. Quando a florinha sorriu, pela primeira vez, o perfume bom da flor apareceu. O perfume é o sorriso da flor.E o perfume foi chamando bichos e mais bichos.Vieram as abelhas.Vieram os beija-flores.Vieram as borboletas.Vieram as crianças. Um a um, beijaram a única flor perfumada, a flor que sabia sorrir. E sentiram, pela primeira vez, que a florinha, lá dentro do seu sorriso, era doce, virava mel...Esta é a estória do nascimento da alegria.De como a tristeza saiu do choro, do choro surgiu o riso e o riso virou perfume.A florinha não se esqueceu de sua pétala partida. Só que, deste dia em diante, ela não mais sofria ao olhar para ela, mas a agradava, como boa amiga.Quanto aos regadores dos anjos, nunca mais foram usados. De vez em quando, olhando para as nuvens, a gente vê um deles, guardado lá dentro, já velho e coberto de teias de aranha. Enquanto a florinha de pétala partida estiver neste mundo, a chuva continuará a cair e o brinquedo de roda em volta do seu sorriso e do seu perfume não terá fim...
É que os anjos, ajudados pelos elefantes, regavam tudo, com regadores cheios de água que eles tiravam das nuvens. Esta era a sua primeira tarefa, todo dia. Se esquecessem, todas as plantas morreriam, secas, estorricadas. Para que isso não acontecesse, Deus chamou o galo e lhe disse:
- Galo, logo que o sol aparecer, bem cedinho, trate de cantar bem alto para que os anjos e os elefantes acordem.
E é por isto que, ainda hoje, os galos cantam de manhã. Flores havia aos milhares. Todas eram lindas. Mas, infelizmente, todas elas eram igualmente vaidosas e cada uma pensava ser a mais bela.E, exibindo as suas pétalas, umas para as outras, elas se perguntavam, sem parar:
- Não sou a mais linda de todas?
Até pareciam a madrasta da Branca de Neve. Por causa da vaidade, nenhuma delas ouvia o que as outras diziam e nem percebiam que todas eram igualmente belas.Por isso, todas ficavam sem resposta. E eram, assim, belas e infelizes.No meio de tanta beleza infeliz, entretanto, certo dia uma coisa inesperada aconteceu. Uma florinha, que estava crescendo dentro de um botão, e que deveria ser igualmente bela e infeliz, cortou uma de suas pétalas num espinho, ao nascer. A florinha nem ligou e vivia muito feliz com sua pétala partida. Ela não doía. Era uma pétala macia. Era amiga. Até que ela começou a notar que as outras flores a olhavam com olhos espantados. E percebeu, então, que era diferente.
- Por que é que as outras flores me olham assim, papai, com tanto espanto, olhos tão fixos na minha pétala?
- Por que será? Que é que você acha?, perguntou o pai.
Na verdade, ele bem sabia de tudo. Mas ele não queria dizer. Queria que a florinha tivesse coragem para olhar para as vaidosas e amar a sua pétala.
- Acho que é porque eu sou meio esquisita. A florinha respondeu.E ela foi ficando triste, triste. Não por causa da sua pétala rachada, mas por causa dos olhos das outras flores.
- Já estou cansada de explicar. Eu nasci assim. Mas elas perguntam, perguntam, perguntam. Até que ela chorou. Coisa que nunca tinha acontecido com as flores belas e infelizes.A terra levou um susto quando sentiu o pingo de uma lágrima quente, porque as outras flores não choravam. E ela chamou a árvore e lhe contou baixinho:
- A florinha está chorando. E a terra chorou também.A árvore chamou os pássaros e lhes contou o que estava acontecendo. E, enquanto falava, foi murchando, esticando seus galhos num longo lamento, e continua a chorar até hoje, à beira dos rios e dos lagos, aquela árvore triste que tem o nome de chorão. E das pontas dos seus galhos correram as lágrimas que se transformaram num fiozinho de água.Os pássaros voaram até as nuvens.
- Nuvens, a florinha está chorando.E choraram lágrimas que se transformaram em pingos de chuva.As nuvens choraram também, juntando-se aos pássaros numa chuva enorme, choro do céu.As lágrimas das nuvens molharam as camisolas dos anjinhos que brincavam no céu macio. E quiseram saber o que estava acontecendo. E quando souberam que a florinha estava chorando, choraram também.E Deus, que era uma flor, começou a chorar também.E a sua dor foi tão grande que, devagarinho, como se fosse espinho, ela foi cortando uma de suas pétalas. E Deus ficou tal e qual a florinha.E aquele choro todo, da terra, das árvores, dos pássaros, dos anjos, de Deus, virou chuva, como nunca havia caído.O sol, sempre amigo e brincalhão, não agüentou ver tanta tristeza. Chorou também. E a sua boca triste virou o arco-íris.E as chuvas viraram rios e os rios viraram mares. Nos rios nasceram peixes pequenos. Nos mares apareceram os peixes grandes.A florinha abriu os olhos e se espantou com todo aquele reboliço. Nunca pensou que fosse tão querida. E a sua tristeza foi virando, lá dentro, uma espécie de cócega no coração, e sua boca se entortou para cima, num riso gostoso.E foi então que aconteceu o milagre.As flores belas e infelizes não tinham perfume, porque nunca riam. Quando a florinha sorriu, pela primeira vez, o perfume bom da flor apareceu. O perfume é o sorriso da flor.E o perfume foi chamando bichos e mais bichos.Vieram as abelhas.Vieram os beija-flores.Vieram as borboletas.Vieram as crianças. Um a um, beijaram a única flor perfumada, a flor que sabia sorrir. E sentiram, pela primeira vez, que a florinha, lá dentro do seu sorriso, era doce, virava mel...Esta é a estória do nascimento da alegria.De como a tristeza saiu do choro, do choro surgiu o riso e o riso virou perfume.A florinha não se esqueceu de sua pétala partida. Só que, deste dia em diante, ela não mais sofria ao olhar para ela, mas a agradava, como boa amiga.Quanto aos regadores dos anjos, nunca mais foram usados. De vez em quando, olhando para as nuvens, a gente vê um deles, guardado lá dentro, já velho e coberto de teias de aranha. Enquanto a florinha de pétala partida estiver neste mundo, a chuva continuará a cair e o brinquedo de roda em volta do seu sorriso e do seu perfume não terá fim...
Rubem Alves
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