sábado, 8 de setembro de 2007


Houve um tempo em que minha janela

se abria sobre uma cidade que parecia

ser feita de giz.

Perto da janela havia um

pequeno jardim quase seco.

Era uma época de estiagem, de terra

esfarelada, e o jardim parecia morto.

Mas todas as manhãs vinha um pobre

com um balde e, em silêncio, ia atirando

com a mão umas gotas de água sobre

as plantas. Não era uma rega: era uma

espécie de aspersão ritual, para que o

jardim não morresse. E eu olhava para

as plantas, para o homem, para as gotas

de água que caíam de seus dedos magros

e meu coração ficavacompletamente feliz.

Às vezes abro a janela

e encontro o jasmineiro em flor.

Outras vezes

encontro nuvens espessas.

Avisto crinças que vão para a escola.

Pardais que pulam pelo muro.

Gatos que abreme fecham os olhos,

sonhando compardais.

Borboletas brancas, duas a duas,

como refelectidas no espelho do ar.

Marimbondos que sempre me parecem

personagens de Lope de Vega.

Às vezes um galo canta.

Às vezes umavião passa.

Tudo está certo, no seulugar, cumprindo o seu destino.

E eu mesinto completamente feliz.

Mas, quando falo dessas pequenas felicidades certas,

que estão diante decada janela, uns dizem que essas coisas

não existem, outros que só existem diante das minhas janelas,

e outros, finalmente, que é preciso aprender a

olhar, para poder vê-las assim.

Cecília Meireles