A Paixão
Paixão é a alucinação amorosa.
E os apaixonados são duas espécies:
os generosos, que se dão inteiramente,
se jogando nas mãos do outro,
e os possessivos, que querem que o outro se incorpore
a eles convertidosem sombra viva.
Paixão, por isto, é arma de dois gumes.
E corta. E Sangra.
Se não sangrou, se não teve insônia, se não desesperou,
paixão não era.
Talvez fosse desejo, que o desejo é diferente.
No desejo a gente quer o outro para possuir apenas, passageiramente.
Na paixão, não.Na paixão,
a gente quer se fundir com o outro, para sempre.
E se o outro disser assim:
“Vai ali buscar aquela estrela para mim”, a gente vai.
Se disser:
“Não estou gostando do seu nariz”, a gente opera.
A paixão é boa? A paixão é ruim?
Ninguém sabe. Ela acontece.
Como certas tempestades ela acontece.
Assim como depois dos vendavais os elementos da natureza
já não são os mesmos,
ninguém é o que era depois do desvario da paixão.
Vidas renascem com paixões.
Outras viram cinza por causa dela.
E há pessoas que são como aquela ave mítica, a Fênix,
vivem renascendo das cinzas da paixão.
Karl Max, errou completamente.
Não é a luta de classes que move a história, é a paixão.
Paixão é a revolução a dois.
E toda a comunidade fica abalada.
Foi assim com Romeu e Julieta.
Foi assim com Tristão e Isolda.
Não é de hoje que reinos se fazem e se refazem por causa da paixão.
Existe diferença entre amor e paixão?
Existe.
No amor, claro que há luminosa coabitação.
Mas o amor é também paciente construção.
Já a paixão é arrebatamento puro e a voragem
é tão grande que pode tudo se esgotar de repente.
Quantas vezes se apaixona numa vida?
Há gente que vive se inventando paixões para viver.
E há gente que organiza toda sua vida em torno de uma única
e consumidora paixão.
Paixão é transgressão.
Quanto mais obstáculos inventarem,
mais o apaixonado os saltará.
E o apaixonado não tem medo do ridículo .
O que lhe importa o mundo
se o seu mundo é apenas o mundo da pessoa amada?
A paixão tem cor. É roxa.E é vermelha.
Pressupõe morte e ressurreição.
Da paixão vivemos muito.
Da paixão morreremos sempre.
Affonso Romano de Sant’Anna