sexta-feira, 30 de novembro de 2007
Desenhos no Espelho
Fruto de enganos ou de amor,
nasço de minha própria contradição.
O contorno da boca,
a forma da mão, o jeito de andar
(sonhos e temores incluídos)
virão desses que me formaram.
Mas o que eu traçar no espelho
há de se armar também
segundo o meu desejo.
Terei meu par de asas
cujo vôo se levanta desses
que me dão a sombra onde eu cresço
como, debaixo da árvore,
um caule
e sua flor.
Lya Luft
Conte a sua história ao vento,
Cante aos mares para os muitos marujos;
cujos olhos são faróis sujos e sem brilho.
Escreva no asfalto com sangue,
Grite bem alto a sua história
antes que ela seja varrida na manhã seguinte pelos garis.
Abra seu peito em direção dos canhões,
Suba nos tanques de Pequim,
Derrube os muros de Berlim,
Destrua as cátedras de Paris.
Defenda a sua palavra,
A vida não vale nada se você não viver uma boa história pra contar.
Pedro Bial
Escreva os acordes da sua vida
Tente o impossível se preciso
E verá, que ele nem existe.
=
terça-feira, 20 de novembro de 2007
- Adeus - disse para a flor.
Mas ela não lhe respondeu.
- Adeus - repetiu o principezinho.
A flor tossiu. Mas não era por causa da constipação.
- Fui muito parva - acabou finalmente por dizer.
- Desculpa. Vê se consegues ser feliz.
Ficou espantado por ela não se pôr com recriminações.
E para ali se deixou ficar, totalmente desconcertado,
=
de redoma no ar.
Não conseguia compreender aquela mansidão, aquela calma.
- Porque é que estás tão admirado?
=
É evidente que eu te amo - disse a flor.
- Nunca o soubeste, por culpa minha.
=
Mas isso, agora, já não tem qualquer importância.
Olha que tu também foste tão parvo como eu.
Agora vê lá se consegues ser feliz...
E deixa essa redoma em paz. Já não a quero.
- E o vento?
- Não estou tão constipada ...
=
O fresco da noite há-de fazer-me bem. Sou uma flor!
- E os bichos?
- Duas ou três lagartas terei eu de suportar
=
se quiser saber como são as borboletas.
Parece que são tão bonitas! E, se não forem elas,
=
quem é que se lembra de me vir cá visitar?
=
Tu, tu hás-de estar bem longe.
=
E os bichos maiores, não tenho nada a recear.
Afinal, para que quero eu as minhas garras?
E mais uma vez exibia ingenuamente os seus quatro espinhos.
=
Depois, ainda disse:
- Não fiques para aqui a empatar, que me irritas!
Não te resolveste ir embora? Pois então vai !
Porque ela não queria que ele a visse chorar.
Era uma flor tão orgulhosa...
Antoine de Saint-Exupéry
Deixe-me escrever poesias nos azulejos de teu banheiro,
terá a assinatura do meu momento
Quando você tomar banho e o vapor beijar as palavras
talvez restem poucas letras
E talvez
estas letras desgarradas formem outras palavras
E assim
outros poemas.
A cada visita, uma nova poesia.
Se me faltar criatividade
elejo outro poeta para narrar o momento
E se não encontrar, faço um desenho.
Mas prometo
nunca deixar vazios teus azulejos.
Chá de Menta
segunda-feira, 19 de novembro de 2007
domingo, 18 de novembro de 2007
sábado, 17 de novembro de 2007
Sabe, eu me perguntava até que ponto você era aquilo
que eu via em você ou apenas aquilo que eu queria ver em você,
eu queria saber até que ponto você não era apenas uma projeção
daquilo que eu sentia, e se era assim, até quando
eu conseguiria ver em você todas essas coisas que me fascinavam
e que no fundo, sempre no fundo, talvez nem fossem suas,
mas minhas, e pensava que amar era só conseguir ver,
e desamar era não mais conseguir ver, entende?
Caio Fernando Abreu
sexta-feira, 16 de novembro de 2007
Simpatia - é o sentimento
Que nasce num só momento,
Sincero, no coração;
São dois olhares acesos
Bem juntos, unidos, presos
Numa mágica atração.
Simpatia - são dois galhos
Banhados de bons orvalhos
Nas mangueiras do jardim;
Bem longe às vezes nascidos,
Mas que se juntam crescidos
E que se abraçam por fim.
São duas almas bem gêmeas
Que riem no mesmo riso,
Que choram nos mesmos ais;
São vozes de dois amantes,
Duas liras semelhantes,
Ou dois poemas iguais.
Simpatia - meu anjinho,
É o canto do passarinho,
É o doce aroma da flor;
São nuvens dum céu d'Agôsto,
É o que m'inspira teu rosto...-
Simpatia - é - quase amor!
Casimiro de Abreu
Tô relendo minha lida,
minha alma, meus amores
Tô revendo minha vida,
minha luta, meus valores
Refazendo minhas forças,
minha fonte, meus favores
Tô regando minhas folhas,
minhas faces, minhas flores
Tô limpando minha casa,
minha cama, meu quartinho
Tô soprando minha brasa,
minha brisa, meu anjinho
Tô bebendo minhas culpas,
meu veneno, meu vinho
Escrevendo minhas cartas,
meu começo, meu caminho
Estou podando meu jardim
Estou cuidando de mim...
Vander Lee
quinta-feira, 15 de novembro de 2007
O poema me levará no tempo
Quando eu já não for eu
E passarei sozinha
Entre as mãos de quem lê
O poema
Alguém o dirá
Às searas
Sua passagem se confundirá
Como rumor do mar
Com o passar do vento
O poema habitará
O espaço mais concreto e mais atento
No ar claro nas tardes transparentes
Suas sílabas redondas
(Ó antigas ó longas Eternas tardes lisas)
Mesmo que eu morra o poema encontrará
Uma praia onde quebrar as suas ondas
E entre quatro paredes densas
De funda e devorada solidão
Alguém seu próprio ser confundirá
Com o poema no tempo
Sophia de Mello Breyner Andersen
domingo, 11 de novembro de 2007
O poeta beija tudo, graças a Deus
E aprende com as coisas a sua lição de sinceridade
E diz assim:
"É preciso saber olhar..."
E pode ser, em qualquer idade,
Ingénuo como as crianças,
Entusiasta como os adolescentes
E profundo como os homens feitos
E levanta uma pedra
=
Escura e áspera para mostrar uma flor que está por detrás
E perde tempo (ganha tempo...) a namorar uma ovelha
E comove-se com cousas de nada:
Um pássaro que canta
Uma mulher bonita que passou
Uma menina que lhe sorriu
Um pai que olhou desvanecido para o filho pequenino
Um bocadinho de Sol depois de um dia chuvoso
E acha que tudo é importante
E pega no braço dos homens que estavam tristes
=
E vai passear com eles pelo jardim
E reparou que os homens estavam tristes
E escreveu uns versos que começam desta maneira:
"O segredo é amar..."
Sebastião da Gama
Deus escreve direito por linhas tortas
E a vida não vive em linha reta
Em cada célula do homem estão inscritas
A cor dos olhos e a argúcia do olhar
O desenho dos ossos e o contorno da boca
Por isso te olhas ao espelho:
E no espelho te buscas para te reconhecer
Porém em cada célula desde o início
Foi inscrito o signo veemente da tua liberdade
Pois foste criado e tens que ser real
Por isso não percas nunca o teu fervor mais austero
Tua exigência de ti e por entre
Espelhos deformantes e desastres e desvios
Nem um momento só podes perder
A linha musical do encantamento
Que é teu sol, tua luz, teu alimento.
Sophia de Mello Breyner Andresen
quarta-feira, 7 de novembro de 2007
O meu olhar é nítido como um girassol.
Tenho o costume de andar pelas estradas
Olhando para a direita e para a esquerda,
E de vez em quando olhando para trás...
E o que vejo a cada momento
É aquilo que nunca antes eu tinha visto,
E eu sei dar por isso muito bem...
Sei ter o pasmo essencial
Que tem uma criança se, ao nascer,
Reparasse que nascera deveras...
Sinto-me nascido a cada momento
Para a eterna novidade do Mundo...
=
Creio no mundo como num malmequer,
Creio no mundo como num malmequer,
=
Porque o vejo.
Mas não penso nele
Porque pensar é não compreender...
=
O Mundo não se fez para pensarmos nele
(Pensar é estar doente dos olhos)
Mas para olharmos para ele e estarmos de acordo...
=
Eu não tenho filosofia; tenho sentidos...
Se falo na Natureza não é porque saiba o que ela é,
Mas porque a amo, e amo-a por isso
Porque quem ama nunca sabe o que ama
Nem sabe por que ama, nem o que é amar...
=
Amar é a eterna inocência,
E a única inocência não pensar...
Fernando Pessoa
domingo, 4 de novembro de 2007
Anjo
Dois centímetros cúbicos de nuvem.
Duas lágrimas de criança:
uma derramada em dia de aniversário,
outra no medo do trovão.
Três colheres de açúcar.
Uma pitada de três dedos de pó de ouro.
Duas gotas de lilás.
Um miligrama de cauda de cometa.
Pronto.
Diz-se que essa é a receita básica para se criar um anjo.
Dizem que muitos tentaram criá-los a partir daí.
Não conseguiram pela falta do sopro. O sopro d'Ele.
E Ele, depois do sopro,
põe tudo dentro das mãos em concha, e joga para o alto.
Dois dias depois eles aparecem.
Prontinhos. Sentadinhos em flocos de algodão doce.
Sorrindo banguelas e chupando o polegar,
mania que acaba quando nascem as asinhas,
três séculos depois, na adolescência.
Fase na qual está o nosso anjo,
que tropeça nas estrelas e se esborracha
em nuvens mais pesadas que o ar.
E que grita:
- Merda! (ops!!)
enquanto levanta, sacode as gotículas e dá a volta por cima.
André Gonçalves
sábado, 3 de novembro de 2007
Esta noite morri muitas vezes, à espera
de um sonho que viesse de repente
e às escuras dançasse com a minha alma
enquanto fosses tu a conduzir
o seu ritmo assombrado nas terras do corpo,
toda a espiral das horas que se erguessem
no poço dos sentidos. Quem és tu,
promessa imaginária que me ensina
a decifrar as intenções do vento
a música da chuva nas janelas
sob o frio de fevereiro? O amor
ofereceu-me o teu rosto absoluto,
projetou os teus olhos no meu céu
e segreda-me agora uma palavra:
o teu nome - essa última fala da última
estrela quase a morrer
pouco a pouco embebida no meu próprio sangue
e o meu sangue à procura do teu coração.
Fernando Pinto do Amaral
sexta-feira, 2 de novembro de 2007
Qual o Assunto que Mais lhe Interessa?
Qual o assunto que mais lhe interessa?
Além da vida in vitro feita nas coxas
E vivida às pressas
Qual o assunto que mais lhe interessa?
A mais-valia da morte
A última sentença
A violência nas ruas
O bioterrorismo
A soja transgênica
Clonagem da mente
Dos órgãos vitais
A nova ciência
Moral decadente
Tradição milenar
Outra tendência
Qual o assunto que mais lhe interessa?
Suicídio, livre arbítrio
Amor consentido, eutanásia
A divida congênita
O quinto partido, o tempo das máquinas
Monarquia playback, a república inventa
O eclipse lunar, a decadência moral
A calota polar, o império dos egos
O vidente cego, o cachimbo de Édipo
A paixão de Romeu, colapso dos mares
Crianças sem lares, a ausência de Deus...
Qual o assunto que mais lhe interessa?
A assembléia dos loucos, o juízo dos lobos
A vontade dos céus
A escala econômica em que o crime compensa
Qual o assunto em que mais você pensa?
Sexo, amor, culpa ou inocência
A dieta do Papa, o segredo de Fátima
A última penitência
Qual o assunto em que você mais pensa?
Qual o assunto que mais lhe interessa?
Qual o assunto em que mais você pensa?
Bom dia, Vietnã
Boa noite, Badgá
Adeus, Sherazade
Qual o assunto que mais lhe interessa?
Qual a verdade em que mais você pensa?
O fim da natureza
E o final da História
Glória, glória, glória,
Apenas uma canção invento agora, um poema
A madrugada é silêncio, a dor acalenta
Esquece o início de tudo e o fim dos tempos
Deita no colo de tua amada
Onde da misteriosa expansão do nada
O universo se alimenta...
Roberto Mendes e Capinam
Voz de Elba Ramalho
Subscrever:
Mensagens (Atom)