quarta-feira, 23 de janeiro de 2008


Por que brota de mim,
=
quando o corpo repousa e a alma fica a sós,
=
esta insensata rosa?

Jorge Luis Borges


No tempo em que eramos felizes não chovia.

Levantávamo-nos juntos, abraçados ao sol.

As manhãs eram um céu infinito nosso amor era as manhãs.

No tempo em que eramos felizes

O horizonte tocava-se com a ponta dos dedos.

As marés traziam o fim da tarde e não víamos

Mais do que o olhar um do outro.

Brincávamos e eramos crianças felizes.

Às vezes ainda te espero como te esperava

Quando chegavas com o uniforme lindo da tua inocência.

Há muito tempo que te espero.

Há muito tempo que não vens.


José Luís Peixoto


Odeio quem me rouba a solidão sem em troca

me oferecer verdadeiramente companhia.

Por não prezarem as coisas que prezo!

Às vezes enxergo tão profudamente a vida que, de repente,

olho ao redor e vejo que ninguém me acompanhou

e que meu único companheiro é o tempo.



Quando Nietzsche Chorou


Companhia é :

Compartilhas dos mesmos gostos

Se fazer ouvir

E saber ouvir

Entender o outro

Mesmo que seja diferente

O seu modo de ver

De ser e sentir

segunda-feira, 21 de janeiro de 2008

Naufrágio


E quando te conheci

Descobri que tinhas medo da Vida,

Do mundo, do futuro.

Tinhas os pés no chão,

Pisavas em terra firme.

Nada de delírios, nem de paixões.

Mas, cruzei o teu caminho.

Assustado, comparavas-me ao Mar:

Azul e calmo, às vezes,

E cinza e intempestivo em outras.

Não lhe oferecia garantias

Como a Terra,

Mas te mostrei que era bem mais gostoso Navegar.

Porém, não se pode ter a Terra e o Mar.

E então, fizestes tua escolha.

Deste então, neste Mar,

Nunca mais navegaram.

Por causa deste naufrágio.


Débora Bottcher

Sou Lenda


Sou Lenda,

porque as lendas são envolta

sem mistérios e magias.

São uma criação dos caminhos da mente,

a vaga imaginação,

da libertação dos silêncios da alma...



Sou Lenda,

porque as lendas

correm livres
=
junto ao vento,

buscando as vozes da memória

para que alcancem,

as histórias perdidas no tempo...



Sou Lenda,

pelo desejo incontido que há em mim,

de tornar possível
=
o encontro entre a lua e o sol.

diminuindo o entrave da dor...

Então, sendo Lenda

posso cavalgar pelos sonhos,

velejar pelos mares de sua saudade,

passear solta pelo seu pensamento...



Sendo Lenda,

posso brincar na sua alegria,

ser parte da sua emoção,

e caminhar,

tranqüila, pela sua ilusão...



Sendo Lenda,

posso escrever meu nome em sua vida,

e me instalar no aconchego do seu coração,

como uma sensação

chegando pelo perfume do ar...



Sendo Lenda

posso ser parte de você,

sem você perceber...



Débora Bottcher


Com as mãos, tomei tua cabeça como quem toma

uma âncora e me servi do néctar do amor.

Quem teria pensado que uma âncora
=
tão pequena contivesse tanto licor?

A aurora já despontava no céu quando nossas bocas se separaram.


O Jardim das Carícias - Conto Beduino
Rejed Ben Sahlli

domingo, 20 de janeiro de 2008


Um anjo vem todas as noites:

senta-se ao pé de mim, e passa

sobre meu coração a asa mansa,

como se fosse meu melhor amigo.


Esse fantasma que chega e me abraça

(asas cobrindo a ferida do flanco)

é todo o amor que resta

entre ti e mim, e está comigo.


Lya Luft

O Primeiro Beijo


Ela estava de pé, bem perto de mim.

Olhei-a até a alma,

e minhas mãos agarraram seus dois pulsos.

Cerrando os olhos, ofereceu-me sua face.

Contenta-se, acaso, o viajante sedento com frutos ,

quando uma fonte está próxima?

No fim, nossos lábios se uniram.

E todo seu corpo, contra o meu,

nada mais era do que uma boca.



O Jardim das Carícias

sábado, 19 de janeiro de 2008


(...)

É como ter o sol irradiante dentro d'alma!

É a alegria de andar sobre a terra, e a arte de voar até as nuvens.

É o dom de tornar brandos ou duros os deveres

(...)

O amor concilia tudo, prendendo-nos à vida,

e pondo-nos no coração o medo de perdê-la.

(...)

Quantas vidas renascem por um pouco de amor

(...)


Clarice Lispector


Sábado, chove em meu jardim.

Os pingos d'água
=
regam as flores, multiplicam o verde e invadem o ar.

Sentada na grama, deixo-me molhar
=
enquanto envolvida pelo cheiro da terra

que brota e festeja a água.

Em movimentos de amor, uma linda rosa vermelha,

que parece refestelar-se no banho que toma.

Desabracha somente aos meus olhos
=
e nasce somente para meus sentidos.

Eu sonho com você, enquanto chove
=
e a linda rosa, sonha com o dia em que todo o mundo será de flores.

E para embalar nossos sonhos, Cecília:



Chovem duas chuvas:
=
de água e de jasmins
=
por estes jardins de flores e de nuvens.
=
Sobem dois perfumes por estes jardins:
=
de terra e jasmins, de flores e chuvas.
=
E os jasmins são chuvas e as chuvas, jasmins,
=
por estes jardins de perfume e nuvens.
=
Cecília Meireles


Acho que sábado é a rosa da semana;

Sábado de tarde a casa é feita de cortinas ao vento,

E alguém despeja um balde de água no terraço;


Sábado ao vento é a rosa da semana;

Sábado de manhã, a abelha no quintal,

E o vento: uma picada, o rosto inchado,
=
Sangue e mel, aguilhão em mim perdido:

Outras abelhas farejarão e no outro sábado de manhã

Vou ver se o quintal vai estar cheio de abelhas.


Se chovia só eu sabia que era sábado;

Uma rosa molhada, não é?


(...)


Clarice Lispector


Sábado...
=
E chove...

Receita de Mulher


(...)

Que ela não perca nunca, não importa em que mundo
=
Não importa em que circunstâncias, a sua infinita volubilidade
=
De pássaro; e que acariciada no fundo de si mesma
=
Transforme-se em fera sem perder sua graça de ave.

(...)


Carlos Drummond de Andrade

sexta-feira, 18 de janeiro de 2008


Um velho professor entrou na sala e imediatamente percebeu que
=
iria ter trabalho para conseguir silêncio.
=
Com grande dose de paciência tentou começar a aula,
=
mas você acha que minha turma correspondeu? Que nada.
=
Com um certo constrangimento, o professor tornou a
=
pedir silêncio educadamente. Não adiantou,
=
ignoramos a solicitação e continuamos firmes na conversa.
=
Foi aí que o velho professor perdeu a paciência
=
e deu a maior bronca que eu já presenciei. Veja o que ele disse:

=
- “Prestem atenção porque eu vou falar isso uma única vez”,
=
disse, levantando a voz e um silêncio carregado de culpa
=
se instalou em toda a sala e o professor continuou.
=
- “Desde que comecei a lecionar, isso já faz muito anos,
=
descobri que nós professores, trabalhamos apenas
=
5% dos alunos de uma turma.

Em todos esses anos observei que de cada cem alunos, apenas

cinco são realmente aqueles que fazem alguma diferença no futuro;

apenas cinco se tornam profissionais brilhantes e contribuem
=
de forma significativa para melhorar a qualidade
=
de vida das pessoas.
=
Os outros 95% servem apenas para fazer volume;
=
são medíocres e passam pela vida sem deixar nada de útil.

O interessante é que esta porcentagem vale para todo o mundo.

Se vocês prestarem atenção, notarão que de cem professores,

apenas cinco são aqueles que fazem a diferença;

de cem garçons, apenas cinco são excelentes;

de cem motoristas de táxi,
=
apenas cinco são verdadeiros profissionais;

e podemos generalizar ainda mais:

de cem pessoas, apenas cinco são verdadeiramente especiais.

É uma pena muito grande não termos como separar
=
estes 5% do resto, pois se isso fosse possível,
=
eu deixaria apenas os alunos especiais nesta sala e colocaria
=
os demais para fora, então teria o silêncio necessário
=
para dar uma boa aula

e dormiria tranqüilo sabendo ter investido nos melhores.

Mas, infelizmente não há como saber quais de vocês
=
são estes alunos.

Só o tempo é capaz de mostrar isso.

Portanto, terei de me conformar e tentar dar uma aula
=
para os alunos especiais, apesar da confusão
=
que estará sendo feita pelo resto.

Claro que cada um de vocês sempre poderá escolher
=
a qual grupo pertencerá.

Obrigado pela atenção e vamos à aula de hoje”.


Nem preciso dizer o silêncio que ficou na sala e o nível de atenção

que o professor conseguiu após aquele discurso.

Aliás, a bronca tocou fundo em todos nós,

pois minha turma teve um comportamento exemplar
=
em todas as aulas desse professor

durante todo o semestre; afinal quem gostaria de espontaneamente

ser classificado como fazendo parte do resto?

Hoje não me lembro muita coisa das aulas de Fisiologia,
=
mas a bronca do professor eu nunca mais esqueci.
=
Para mim, aquele professor foi um dos 5% que

fizeram a diferença em minha vida.

De fato, percebi que ele tinha razão e, desde então,
=
tenho feito de tudo para ficar sempre no grupo dos 5%,
=
mas, como ele disse,
=
não há como saber se estamos indo bem ou não;
=
só o tempo dirá a que grupo pertencemos.
=
Contudo, uma coisa é certa:

se não tentarmos ser especiais em tudo que fazemos,
=
se não tentarmos fazer tudo o melhor possível,
=
seguramente sobraremos na turma do resto.



Texto de Autor Desconhecido

quarta-feira, 16 de janeiro de 2008

Ambição de um Pingo D'Água


A noite esqueceu

no côncavo de uma folha

vizinha de um riacho

um pingo d'água.

Veio o sol como uma rosa grande ardendo em febre

e envolveu a pequenina gota

num punhado de cores.

Pingo d'água acordou

olhou para baixo

gostou do riacho

Sonhou ser assim

ser riacho também

E correr, e crescer, ir além

Ser um rio bem grande

maior que ninguém.

Veio o vento

de repentee desgarrou da folha o pingo d'água.

Pingo d'água morreu.

Pingo d'água perdeu-se no riacho


Pingo d'água sou eu.





Jacy Pacheco


A que anjo pertencem as palavras
=
que ouço ao vento na brisa da noite?
=
As palavras pertencem aos anjos que na brisa da noite
=
murmuram ao vento segredos noturnos.
=
A que estrelas pertencem esse brilho
=
que iluminam minh'alma num sorriso de gozo?
=
Esse brilho pertencem as estrelas
=
que gozam iluminando minh'alma, devolvendo me a vida.
=
A que flores pertencem essas pétalas, esses dedos
=
que percorrem sem pudor
=
ou pecado os meus recantos?=
=
Essas pétalas pertecem as flores, que fazem acariciar o pecado
=
tornando-o puro, sem dogmas, temores.
=
A que livro pertencem esses versos que me acariciam o peito
=
e repousam-me
=

a dor no alívio da paz?=
=
Esses versos pertencem ao livro que nunca foi escrito
=
e que reflete nas páginas brancas, a alvura da paz.
=
A que homem pertence essa mulher?

=
Essa mulher pertence ao homem que souber decifrá-la fêmea,
=
em pedaços,
=
completa...




=
Lilian Maial e Angela Bretas

terça-feira, 15 de janeiro de 2008

Narradores de Javé


António Biá em suas visitas como escrevente.

Eu vim lhe ouvir e anotar assim tudo o que for importante

da sua lembrança javeica, as históicas e pré históicas

pra gente pôr no livro pro Vale do Javé !!

(Apontando o lápis)

Eu não uso caneta, eu não me acostumo !!

Eu não sei se o senhor já viu, a caneta corre assim no papel,
=
sem freio e se a gente erra e quer arrumar ai emporralha tudo,

fica aquela disenteria de tinta.

Agora o lápis não, o lápis é maravilhoso.

Ele agarra o papel, ele aceita a borracha,

ele obedece a mão e ao pensamento da gente.

Aliás, eu sou um homem que só consegue pensar a lápis...


Texto tirado do filme " Narradores de Javé",
=
onde António Biá com seu vocabulário
=
excêntrico mostra de forma encantadora e divertida
=
as variedades na linguagem brasileira.


Penetra surdamente no reino das palavras.

Lá estão os poemas que esperam ser escritos.

Estão paralisados, mas não há desespero,

há calma e frescura na superfície intacta.

Ei-los sós e mudos, em estado de dicionário.

Convive com teus poemas, antes de escrevê-los.

Tem paciência, se obscuros.

Calma, se te provocam.

Espera que cada um se realize e consume
=
com seu poder de palavra e seu poder de silêncio.

Não forces o poema a desprender-se do limbo.

Não colhas no chão o poema que se perdeu.

Não adules o poema. Aceita-o

Como ele aceitará sua forma definitiva e concentrada no espaço.

Chega mais perto e contempla as palavras.

Cada uma tem mil faces secretas sob a face neutra

e te pergunta, sem interesse pela resposta,

pobre ou terrível, que lhe deres:



Trouxeste a chave?



Carlos Drummond de Andrade

domingo, 13 de janeiro de 2008




"Na modorra das tardes vadias na fazenda, era num sítio
=
lá do bosque que eu escapava aos olhos apreensivos da família;
=
amainava a febre dos meus pés na terra úmida,

cobria o meu corpo de folhas e, deitado à sombra, eu dormia
=
na postura quieta de uma planta enferma
=
vergada ao peso de um botão vermelho;

não eram duendes aqueles troncos todos ao meu redor,
=
velando meu sono adolescente?



Que urnas tão antigas eram essas liberando as vozes protetoras

que me chamavam da varanda?

De que adiantavam aqueles gritos, se mensageiros mais velozes,

mais ativos montavam melhor o vento
=
corrompendo os fios da atmosfera?

Meu sono quando maduro seria colhido
=
como a volúpia religiosa com que se colhe um pomo.



Eu me lembrei o que a gente sempre ouvia no sermão do pai

que os olhares são a candeia do corpo

e, se eles eram bons é porque o corpo tinha luz

e se os olhos não eram limpos é que eles revelavam
=
um corpo tenebroso."





Texto do filme "Lavoura Arcaica"


As borboletas do meu jardim voam livres

E voam longe

E voltam sempre

Pois não é mais do que o amor que quero delas

E as reconheço em qualquer jardim

Dentre todas as outras borboletas

Todas as que sonho em ter voando em meu jardim



Texto adaptado do filme "Lavoura Arcaica"


Tudo começa no seu amor

Sou terra que só é fértil com a água que vem de ti

sexta-feira, 11 de janeiro de 2008

Da chegada do amor


Sempre quis um amor
que falasse
que soubesse o que sentisse.
Sempre quis uma amor que elaborasse
Que quando dormisse
ressonasse confiança
no sopro do sono
e trouxesse beijo
no clarão da amanhecice.
=
Sempre quis um amor
que coubesse no que me disse.
Sempre quis uma meninice
entre menino e senhor
uma cachorrice
onde tanto pudesse a sem-vergonhice
do macho
quanto a sabedoria do sabedor.
=
Sempre quis um amor cujo
Bom Dia!
morasse na eternidade de encadear os tempos:
passado presente futuro
coisa da mesma embocadura
sabor da mesma golada.
Sempre quis um amor de goleadas
cuja rede complexado pano de fundo dos seres
não assustasse.
Sempre quis um amor
que não se incomodasse
quando a poesia da cama me levasse.
Sempre quis uma amor
que não se chateasse
diante das diferenças.
=
Agora, diante da encomenda
metade de mim rasga afoita
o embrulho
e a outra metade é o
futuro de saber o segredo
que enrola o laço,
é observar
o desenho
do invólucro e compará-lo
com a calma da alma
o seu conteúdo.
Contudo
sempre quis um amor
que me coubesse futuro
e me alternasse em menina e adulto
que ora eu fosse o fácil, o sério
e ora um doce mistério
que ora eu fosse medo-asneira
e ora eu fosse brincadeira
ultra-sonografia do furor,
sempre quis um amor
que sem tensa-corrida-de ocorresse.
Sempre quis um amor
que acontecesse
sem esforços
em medo da inspiração
por ele acabar.
Sempre quis um amor
de abafar,
(não o caso)
mas cuja demora de ocaso
estivesse imensamente
nas nossas mãos.
Sem senãos.
Sempre quis um amor
com definição de quero
sem o lero-lero da falsa sedução.
Eu sempre disse não
à constituição dos séculos
que diz que o "garantido" amor
é a sua negação.
Sempre quis um amor
que gozasse
e que pouco antes
de chegar a esse céu
se anunciasse.
=
Sempre quis um amor
que vivesse a felicidade
sem reclamar dela ou disso.
Sempre quis um amor não omisso
e que sua estórias me contasse.
=
Ah, eu sempre quis um amor que amasse.


=
Elisa Lucinda

quinta-feira, 10 de janeiro de 2008

Amor de Deuses

Certo rei e rainha tinham três filhas. Os encantos das duas mais velhas eram mais do que comuns, mas a beleza da mais nova era tão extraordinária que a pobreza do vocabulário humano não é capaz de expressar um elogio apropriado.

A fama de sua beleza era tão grande que pessoas de outros lugares vizinhos iam, em multidão, para vê-la e prestar-lhe homenagens que somente à própria Vênus eram apropriadas.

De fato, os altares de Vênus estavam cada vez mais desertos, enquanto os homens voltavam sua atenção e devoção à jovem virgem.Quando ela passava, as pessoas teciam elogios e espalhavam flores e guirlandas sobre o caminho.

Essa perversão de uma homenagem consagrada somente aos poderes imortais, para exaltação de uma jovem mortal, ofendeu Vênus profundamente.Sacudindo suas divinas medeixas encaracoladas, com indignação, exclamou a deusa:

“Terei, porventura, de ser eclipsada em minhas honrarias por uma simples mortal? Foi em vão que aquele pastor real, cujo julgamento foi aprovado pelo próprio Júpiter, me concedeu o pomo da beleza, sobre minhas ilustres rivais, Palas e Juno? Contudo, essa jovem não usurpará minhas honras tão facilmente. Dar-lhe-ei um motivo para se arrepender dessa beleza ilícita.”

Então chamou seu filho alado, Cupido, travesso por natureza, e o provocou com suas reclamações. Apontou Psiquê e disse:

“Meu querido filho, quero que castigues aquela beldade insubordinada; conceda à tua mãe uma vingança tão doce quanto são amargosos os danos que têm me causado.Infunde no peito daquela donzela insolente uma paixão por um ser desprezível, baixo e vil, para que colha, assim, uma mortificação tão grande quanto à glória e triunfo recebidos.”

Cupido preparou-se para obedecer às ordens de sua mãe.Existiam duas fontes no jardim de Vênus, uma de águas doces e outra de águas amargas. Cupido encheu dois jarros de âmbar, cada qual com água de uma das fontes e, suspendendo-os no alto de sua aljava, saiu em disparada em direção ao quarto de Psiquê, a qual encontrou dormindo.Então, derramou algumas gotas da água da fonte amarga nos lábios dela, embora ao vê-la ficasse condoído. Depois, tocou-a com a ponta de sua seta.Ao sentir o toque, a jovem acordou, com o olhar na direção que cúpido se encontrava (embora este se fizesse invisível).Cupido ficou tão surpreendido que, na sua confusão, feriu-se com sua própria seta. Descuidou-se do ferimento, pois agora seu único pensamento era reparar o mal que fizera. Assim, derramou algumas gotas aromáticas de alegria sobre todos os cachos dourados e sedosos da jovem.


Daquele momento em diante, Psiquê, desprezada por Vênus, não podia mais desfrutar de nenhum benefício de sua beleza.É verdade que todos os olhares se voltavam para ela, e que todas as bocas elogiavam-lhe a beleza; mas nenhum rei, jovem da nobreza, ou mesmo plebeu apresentou-se para pedi-la em matrimônio.Suas duas irmãs mais velhas, de beleza mais vulgar, há muito já tinham se casado com dois príncipes reais; mas Psiquê, sozinha nos seus aposentos, lastimava sua solidão, cansada de sua beleza que, embora provocasse abundância de bajulações, fracassava em despertar o amor.

Os pais da jovem, temerosos de que, involuntariamente, pudessem ter provocado a ira dos deuses, consultaram o oráculo de Apolo e receberam esta resposta:

“A virgem não está destinada a ser noiva de um mortal. Seu futuro marido a espera no topo da montanha.É um monstro que nem deuses nem homens podem resistir”.

Essa tenebrosa sentença do oráculo encheu o povo de terror, e seus pais se entregaram ao desespero. Contudo, Psiquê disse:

“Meus queridos pais, por que lamentais minha sorte? Teria sido melhor que tivésseis lamentado quando o povo fazia chover sobre mim honrarias impróprias e, em uníssono, chamavam-me Vênus.Agora percebo que sou vítima desse nome. Mas submeto-me. Levai-me até a montanha, onde o meu triste destino me espera”.

Assim, todas as coisas foram preparadas e a donzela tomou seu lugar no cortejo, que mais parecia um funeral do que um casamento, e juntamente com seus pais, em meio às lamentações do povo, subiu a montanha, onde a deixaram só , e com o coração pesaroso retornaram a casa.

Enquanto Psiquê permanecia no topo da montanha, ofegante e temerosa, com os olhos cheios de lágrimas, o gentil Zéfiro suspendeu-a da terra e a carregou com muita facilidadeaté um vale florido.




Pouco a pouco, acalmou seu espírito e deitou-se na relva para dormir.Quando acordou, descansada pelo sono, olhou à sua volta e avistou um lindo bosque repleto de árvores majestosas. No centro desse bosque encontrou uma fonte de água pura e cristalina, e bem perto dali um palácio magnífico, cuja fachada imponente dava a impressão de que não era obra de mãos humanas, mas o recanto feliz de algum deus.Tomada de admiração e encantamento, aproximou-se do local e aventurou-se a entrar. A cada objeto que encontrava, enchia-se de prazer e surpresa. Colunas de ouro suportavam o teto abobadado e as paredes eram enfeitadas com gravuras e pinturas representando animais de caça e cenários rurais, para o deleite dos olhos do apreciador.Prosseguindo, a jovem percebeu que,além dos aposentos de luxo, havia outros, cheios de toda espécie de tesouro e preciosas produções da natureza e da arte.

Enquanto ocupava seus olhos, uma voz dirigiu-se a ela, embora não visse ninguém, dizendo estas palavras:

“Soberana senhora, tudo quanto vês é teu. Nós, cujas vozes escutas, somos teus criados e obedeceremos às tuas ordens com o máximo cuidado e diligência.Retira-te, pois, aos teus aposentos e repousa em teu leito e, quando tiveres te refeito, poderás banhar-te.A ceia te espera no aposento adjacente, quando achares conveniente ali te assentares”.

Psiquê ouviu os avisos dos seus criados invisíveis, e depois do repouso e de um banho refrescante, sentou-se no aposento adjacente, onde imediatamente apareceu uma mesa, sem nenhuma ajuda visível de qualquer criado ou serviçal. Sobre ela havia uma grande variedade das mais deliciosas iguarias e vinhos.Seus ouvidos também foram presenteados com melodias tocadas por músicos invisíveis: um cantava e outro tocava alaúde, enquanto os demais formavam um coro harmonioso.

Psiquê ainda não tinha visto o esposo a ela destinado. Ele aparecia apenas durante a noite e fugia antes do dia clarear, mas suas manifestações eram tão repletas de amor que despertaram nela paixão semelhante.

Com freqüência a jovem implorava para que ficasse e a deixasse olhá-lo, mas ele não consentia. Muito pelo contrário, instruiu-apara que não tentasse vê-lo, pois era necessário que permanecesse escondido.

“Por que insistes em me ver?”, perguntava ele. “Duvidas do meu amor? Tem algum desejo que não lhe foi atendido? Se me visses, poderia temer-me, ou talvez me adorar, mas tudo que te peço é que me ames.Prefiro que me ames como a um igual a me adorares como um deus”.

Esses argumentos de certa forma sossegaram Psiquê por algum tempo, e como aquilo tudo era novo para ela, sentia-se feliz. Mas, aos poucos, a lembrança dos pais, deixados na mais completa ignorância sobre seu destino, e o impedimento de compartilhar com as irmãs as delícias de sua situação, foi atormentando seu espírito, fazendo-a sentir que o palácio não passava de uma prisão esplêndida.

Ao anoitecer, quando o marido chegou, contou-lhe sobre suas angústias, e finalmente conseguiu dele o consentimento – ainda que contrariado – para que suas irmãs viessem visitá-la.

Então, chamou Zéfiro e transmitiu-lhe as ordens do marido; ele prontamente obedeceu, trazendo as irmãs de Psiquê até a montanha. Elas se abraçaram e trocaram carinhos.

“Vinde!”, disse Psiquê. “entrai em minha morada e desfrutais de tudo que posso oferecer”. Então, tomando-as pelas mãos, levou-as para o palácio de ouro, entregando-as aos cuidados de seus numerosos criados invisíveis para que se banhassem , comessem de sua comida e apreciassem seus tesouros.

A visão de todas aquelas delícias celestiais provocou muita inveja no coração das duas irmãs, pois constataram que a irmã mais nova possuía muito mais riquezas e bens do que elas.

Perguntaram-lhe muitas coisas, entre elas, que tipo de pessoa era o marido. Psiquê respondia que era um belo jovem que geralmente passava o dia caçando nas montanhas. As irmãs, não satisfeitas com essa resposta, em pouco tempo fizeram-na confessar que, na verdade, nunca tinha visto o marido. Começaram, então, a encher-lhe o coração de dúvidas e suspeitas:

“Lembra-te”, disseram, “ de que o oráculo pitiano declarou que teu destino era te casares com um terrível e abominável monstro.Os habitantes deste vale dizem que teu marido é uma monstruosa serpente, que agora te alimenta com deliciosas iguarias para devorar-te mais tarde.Siga nosso conselho: providencia uma lâmpada e uma faca afiada, coloca-as num lugar onde teu marido não possa encontrar, e, quando ele estiver dormindo profundamente, sai do teu leito, traze a tua lâmpada e vê com teus próprios olhos se o que foi dito é verdadeiro ou não. Se for, não hesites em decepar a cabeça do monstro e recuperar tua liberdade.

Psiquê tentou resistir a esses conselhos tanto quanto pôde, mas eles não falharam em afetar seu espírito e, depois que suas irmãs tinham partido, o que disseram e sua própria curiosidade foram fortes demais para resistir. Então, providenciou uma lâmpada e uma faca afiada, e as escondeu do marido. Quando ele adormeceu, a jovem silenciosamente levantou-se e aproximou a lâmpada para descobrir, não um monstro horripilante, mas o mais belo e encantador dos deuses, com cachos dourados a lhe cair sobre o pescoço alvo como a neve e sobre as faces coradas, e um par de asas orvalhadas nos ombros, mais brancas que a neve, e com penas reluzentes como as flores da primavera.Assim que abaixou mais a lâmpada para apreciar mais de perto, uma gota de óleo quente caiu no ombro do deus, que, assustado, abriu os olhos e olhou para Psiquê.Então, sem dizer uma palavra, abriu suas asas brancas e voou através da janela.

Psiquê, na tentativa vã de segui-lo, jogou-se pela janela e caiu no chão.Cupido, observando-a estendida no solo,interrompeu seu vôo por um instante e disse:

“Ó tola Psiquê, é assim que retribuis meu amor?Depois de ter desobedecido às ordens de minha mãe e fazer de ti minha esposa, tu me tomas por um monstro e tentas cortar-me a cabeça?Vai, retorna para tuas irmãs, cujos conselhos pareces preferir aos meus.Não lhe imponho nenhum outro castigo além de deixar-te para sempre.Amor e desconfiança não podem conviver sob o mesmo teto”.

Assim dizendo, partiu,
deixando a pobre Psiquê prostrada no chão a levantar-se.


Quando se sentiu uma pouca mais fortalecida, olhou à sua volta, mas o palácio e os jardins tinham desaparecido, e ela se viu num campo aberto não muito distante da cidade onde moravam suas irmãs. Foi até elas e lhes contou toda a história de suas desventuras, com a qual as criaturas despeitadas, fingindo grande tristeza, na verdade se deliciavam.“Agora, talvez uma de nós seja escolhida por ele”, pensaram.Com essa idéia em mente, e sem dizer uma palavra a respeito de suas intenções, cada uma delas se levantou bem cedo na manhã seguinte para ir até a montanha.Ao chegarem ao cume, cada qual invocou Zéfiro para recebê-la e lavá-la ate o seu senhor.Depois, lançaram-se no espaço, mas não foram sustentadas por ele, caindo no precipício e morrendo despedaçadas.

Enquanto isso, Psiquê vagava dia e noite, sem comida nem repouso, à procura do esposo.Tendo avistado uma montanha majestosa, a qual tinha em seu cume um templo magnífico, suspirou e disse consigo mesma:

“Pode ser que o meu amor, o meu senhor, faça ali sua morada”.E dirigiu-se até o templo.Mal entrara, avistou montes de grãos, alguns ainda em espigas e outros em feixes, misturados com cevadas.Espalhados ao redor, havia ancinhos e foices, e todos os demais instrumentos utilizados para colheita, em completa desordem, como se tivessem sido atirados descuidadamente pelas mãos exaustas de um ceifeiro, no mais abafado dos dias.

A zelosa Psiquê decidiu organizar aquela confusão, separando e colocando cada coisa em seu devido lugar.Acreditava que não deveria negligenciar a nenhum dos deuses, mas esforçar-se para, com sua devoção, conseguir que intercedessem em seu benefício.

A sagrada Ceres, a quem pertencia aquele templo, vendo-a tão religiosamente ocupada, falou-lhe:“

Ó Psiquê, verdadeiramente merecedora de nossa piedade! Embora eu não possa proteger-te do desprezo de Vênus, posso ensinar-te a melhor maneira de abrandar sua ira.Vai, portanto, e espontaneamente te entregues à tua senhora e soberana.Tenta, através da humildade e submissão, angariar seu perdão.Talvez ela te favoreça e te restitua o marido que perdeste”.

Psiquê obedeceu às ordens de Ceres, e seguiu para o templo de Vênus, esforçando-se por fortalecer seu espírito e pensando sobre o que deveria dizer e qual a melhor maneira de se reconciliar com a deusa irritada. Contudo, sentia que o desfecho era incerto, e provavelmente fatal.

Vênus recebeu-a com o semblante carregado, dizendo:

“Tu, a mais insubordinada e desleal das servas, lembra-te finalmente que tens uma senhora? Ou, talvez, vieste até aqui somente para ver teu marido moribundo, ainda convalescendo da ferida que lhe foi causada por sua amada esposa?És, para mim, tão desfavorecida e tão repugnante, que a única maneira de recuperar teu amor será passando por uma prova, através da qual farei um julgamento das tuas habilidades domésticas”.

E ordenou que Psiquê fosse ao celeiro do templo, onde havia grande quantidade de trigo, cevada, milho, ervilha, feijão e lentilhas preparados para alimentação dos pombos, e disse:

“Separa todos esses grãos, colocando todos os da mesma espécie em montes separados, e trata de terminar antes que anoiteça”.

Então, Vênus partiu, deixando-a com sua tarefa.Mas Psiquê, assustada diante da magnitude do trabalho, sentou-se paralisada e silenciosa, sem mover um dedo sequer para separar o emaranhado de grãos.

Enquanto estava sentada, em desespero, Cupido incitou uma pequena formiga, nativa dos campos, para que tivesse compaixão dela.A líder do formigueiro, seguida de seus súditos de seis pernas, aproximou-se do monte de cereais, e com a máxima diligência, escolhendo grão por grão, separaram todos os cereais, colocando-os em pilhas distintas. E tão logo terminaram o serviço, desapareceram num instante.

Com a aproximação do crepúsculo, Vênus retornou da ceia dos deuses, exalando perfume e coroada de rosas. Vendo a tarefa terminada, exclamou:

“Infeliz! Esse trabalho não foi realizado por ti, mas por aquele a quem conquistaste, para infelicidade de ambos”.

Dizendo isso, atirou-lhe um pedaço de pão para a ceia e se retirou.

Na manhã seguinte, Vênus convocou a presença de Psiquê, e disse-lhe:

“Olha para aquele bosque que se estende ao longo da margem das águas do rio. Ali encontrarás ovelhas pastando sem pastor. Suas carcaças estão cobertas de lã reluzente como ouro. Traga-me amostras daquela lã preciosa, retiradas de cada uma das ovelhas”.

Psiquê, obedientemente, dirigiu-se à margem do rio, e preparava-se para executar a tarefa da melhor maneira possível. Contudo, o deus do rio inspirou aos juncos murmúrios harmoniosos que pareciam entoar:

“Ó donzela, tão severamente posta à prova, não te arrisques nessas águas perigosas nem te aventures por entre as formidáveis ovelhas da outra margem, pois que sofrem a influência do sol da manhã e padecem de raiva cruel, capaz de destruir os mortais com seus chifres aguçados e dentes rudes.Mas quando o sol do meio-dia tiver conduzido todo o rebanho para a sombra, e o espírito sereno das águas acalentar para o descanso, então poderás atravessar em segurança, e encontrar a lã dourada agarrada aos arbustos e aos galhos das árvores”.

Assim, o compassivo deus do rio ordenou a jovem Psiquê para que ela não cumprisse sua tarefa.

Tendo seguido as instruções, logo retornou à Vênus com seus braços cheios de lã dourada. No entanto, não recebeu nenhuma aprovação de sua implacável senhora, que lhe disse:

“Sei muito bem que não foi por teus próprios méritos que conseguiste cumprir esta tarefa, e ainda não estou convencida de tua capacidade em se fazer útil. Mas tenho outro serviço para ti.Pega esta caixa, vai até as sombras infernais e entregue-a a Prosérpina, dizendo:‘Minha senhora, Vênus deseja que lhe mandeis um pouco de tua beleza, pois, cuidando de seu filho adoentado, perdeu um pouco da sua'. E não demores muito tempo, pois necessito disso para aparecer no círculo dos deuses e deusas esta noite”.

Psiquê agora estava certa de que sua destruição estava a caminho, sendo obrigada a ir com os próprios pés diretamente ao Érebo.Assim, para não retardar aquilo que era inevitável, dirigiu-se ao topo de uma torre muito alta a fim de precipitar-se ao solo, de maneira a encurtar o caminho até as profundezas sombrias. Contudo, uma voz que vinha da torre, disse-lhe:

“Por que, pobre jovem desventurada, desejas por fim aos teus dias de maneira tão tenebrosa?E por que a covardia faz recusar perante este último perigo quem tão milagrosamente suportou todos os outros?”

Em seguida, a voz lhe disse como poderia alcançar o reino de Plutão através de determinada gruta, e como evitar os perigos da estrada, passar por Cérbero, o cão de três cabeças, e convencer Caronte, o barqueiro, a atravessá-la pelo rio negro e trazê-la de volta. E a voz acrescentou:

“Quando Prosérpina te conceder a caixa contendo sua beleza, observa este conselho acima de todos: de modo algum abra a caixa ou permitas que tua curiosidade espie o tesouro de beleza das deusas”.

Psiquê, encorajada por estas palavras, observou todas as recomendações e viajou em segurança até o reino de Plutão. Chegando lá, foi recebida no palácio de Propsérpina e, sem aceitar o delicado assento ou o delicioso banquete que lhe foi oferecido, apenas contentando-se com pão duro para alimentar-se, transmitiu a mensagem de Vênus.Não demorou muito para que a caixa lhe fosse entregue, fechada e cheia do precioso tesouro. Então, a jovem regressou pelo mesmo caminho pelo qual viera, e ficou muito feliz por deixar as sombras e estar de volta à claridade do dia.

Porém, após ter passado com sucesso por tantos perigos, veio-lhe um desejo imenso de examinar o conteúdo da caixa, o que a fez exclamar:

“Por que não poderei eu, que transporto a beleza divina, tirar um pouco dela para colocar em minhas faces e parecer mais bela aos olhos de meu amado esposo?”

Então, abriu cuidadosamente a caixa, mas ali não encontrou beleza alguma, apenas um infernal e verdadeiro sono estígio, que, libertando-se de seu aprisionamento, apoderou-se dela, derrubando-a no meio da estrada e deixando-a imóvel e sem sentidos, como um cadáver.

Cupido, porém, já recuperado de suas feridas, e não suportando mais a ausência de sua amada Psiquê, saiu pela fresta da janela de seu quarto, que, por acaso, fora deixada aberta, voou até o lugar onde Psiquê se encontrava desacordada e, retirando o sono de seu corpo, fechou-o de novo na caixa e a acordou com o ligeiro toque de uma de suas setas.

“Mais uma vez”, disse ele, “quase pareceste pela mesma curiosidade.Mas agora cumpre exatamente a tarefa imposta a ti por minha mãe, que eu vou tomar conta do resto”.

Então, Cupido, mais rápido que um raio penetrando as alturas celestiais, apresentou-se perante Júpiter com sua súplica.Júpiter ouviu-o e defendeu a causa dos amantes tão veementemente junto a Vênus, que ganhou dela a aprovação. Uma vez conseguido isso, enviou Mercúrio para trazer Psiquê até a assembléia celestial e, quando ela chegou, entregou-lhe uma taça de ambrosia, dizendo:

“Bebe isso, Psiquê, e sê imortal! Cupido jamais rompera os laços aos quais já se encontra atado.E que essas núpcias sejam eternas”.

Assim, finalmente, Psiquê uniu-se a Cupido e, em tempo devido, tiveram uma filha a quem deram o nome de Prazer.

A fábula de Cupido e Psiquê é normalmente considerada alegórica.Psiquê, em grego, significa borboleta e também alma.Não existe uma ilustração sobre a imortalidade da alma tão admirável e bela como a de uma borboleta, criando asas resplandecentes e libertando-se do túmulo, onde estivera enclausurada, depois de uma enfadonha e rastejante existência como lagarta, para voar no resplendor do dia e alimentar-se das mais perfumadas e delicadas produções da primavera.Psiquê é, portanto, a alma humana, a qual é purificada pelos sofrimentos, preparando-se, dessa forma, para desfrutar de pura e verdadeira realização.

Nas obras de arte, Psiquê é representada como uma donzela com asas de borboleta, ao lado de Cupido, nas diferentes situações descritas pela alegoria.Milton alude à história de Cupido e Psiquê na conclusão de seu Comus:
Cupido celestial, seu famoso filho, avançou e segura sua querida Psiquê, docemente extasiada, depois de longas tarefas.Até que entre os deuses consegue apoio para torná-la sua eterna noiva; e dos seus imaculados e brancos quadris nasceu Prazer; assim quis Jove.




Thómas Bulfinch - Ouro da Mitologia

quarta-feira, 9 de janeiro de 2008





Não, não digas nada

Supor o que dirá

A tua boca velada

É ouvi-lo já

É ouvi-lo melhor

Do que o dirias

O que és não vem à flor

Das frases e dos dias

És melhor do que tu

Não digas nada, sê

Graça no corpo nu

Que invisível se vê

Não, não digas nada



Fernando Pessoa


Não sei se a vida é demasiada perfeita para mim,

ou se sou eu demasiadamente imperfeita para ela.



Caio Fernando Abreu


Eu quis tanto ser a tua paz,

Quis tanto que você fosse o meu encontro.

Quis tanto dar, tanto receber.

Quis precisar, sem exigências.

E sem solicitações, aceitar o que me era dado.

Sem ir além, compreende?

Não queria pedir mais do que você tinha,

Assim como eu não daria mais do que dispunha,

por limitação humana.

Mas o que tinha, era seu.
=
Caio Fernando Abreu


As pessoas falam coisas,
=
E por trás do que falam há o que sentem,

E por trás do que sentem há o que são e nem sempre se mostra

Há níveis-não-formulados, camadas imperceptíveis,

Fantasias que nem sempre controlamos,

Expectativas que quase nunca se cumprem

E, sobretudo, emoções.



Caio Fernando Abreu