segunda-feira, 26 de fevereiro de 2007


"Preciso que um barco atravesse o mar
lá longe
para sair dessa cadeira
para esquecer esse computador
e ter olhos de sal
boca de peixee
o vento frio batendo nas escamas.
Preciso que uma proa atravesse a carne
cá dentro
para andar sobre as águas
deitar nas ilhas
e olhar de longe esse prédio
essa sala
essa mulher sentada diante do computador
que bebe a branca luz eletrônica
e pensa no mar."
Marina Colasanti

Hoje não me alegram
as amendoeiras do horto.
Me lembro de ti.

Jorge Luis Borges



tenho saudade de tudo que ainda nao vi

Renato Russo

domingo, 25 de fevereiro de 2007


"Ando em crise, numa boa, nada de grave.
Mas, ando em crise com o tempo.
Que estranho "presente" é este que vivemos hoje,
correndo sempre por nada, como se o tempo tivesse
ficado mais rápido do que a vida, como se nossos músculos,
ossos e sangue estivessem correndo atrás
de um tempo mais rápido."

Arnaldo Jabor

Coração Absurdo

O meu coração é um absurdo
Bate forte bate fraco
Bate surdo mudo
Bate por nada bate em vão
Bate por tudo
Bate pouco bate muito
Bate po ti sobretudo

Itamar Assunpção

Avesso


Pode parecer promessa

mas eu sinto que você é a pessoa

mais parecida comigo

que eu conheço

só que do lado do avesso


Pode ser que seja engano

bobagem ou ilusão

de ter você na minha

mas acho que com você eu me esqueço

e em seguida eu aconteço


Por isso deixo aqui meu endereço

se você me procurar eu apareço

se você em encontrar

te reconheço.


Alice Ruiz


"Então ficamos
minha alma e eu
olhando o corpo teu sem entender
como é que a alma entra nessa história
afinal o amor é tão carnal
eu bem que tento
tento entender
mas a minha alma não quer nem saber
só quer entrar em você
como tantas vezes já me viu fazer..."

Zeca Baleiro

sábado, 24 de fevereiro de 2007


"Passa uma borboleta por diante de mim

E pela primeira vez no Universo eu reparo

Que as borboletas não têm cor nem movimento,

Assim como as flores não têm perfume nem cor.

A cor é que tem cor nas asas da borboleta,

No movimento da borboleta o movimento é que se move,

O perfume é que tem perfume no perfume da flor.

A borboleta é apenas borboleta

E a flor é apenas flor."



Alberto Caeiro


O tempo não cura tudo.
Aliás, o tempo não cura nada, o tempo apenas tira o incurável
do centro das atenções.

quinta-feira, 22 de fevereiro de 2007

Seu abraço é
Do tamanho do mundo inteiro.
O olhar terno, suave, menino,
O físico descomunal,
Esconde a criança.
Não pesa na órbita,
Navega meu corpo
O cometa fogo ardente,
Fecunda o seio da terra,
Buscando o ápice,
A supremacia dos mortais...
Num compasso sincronizado,
Se unem côncavo e convexo,
E a poesia é profunda...
O instante vai e vem,
É eterno...
E eterno é também
Seu abraço,
Do tamanho do mundo inteiro...

Sinvaline Pinheiro



Se pudesse ser maior,
Abraçaria os céus.
Um beijo na lua,
Um abraço nas nuvens.
Enlaçaria os cabelos
Com as almas do infinito...
O limite é menor agora,
Na tentativa de alçar vôo...
Sou pequena, pequena como uma formiga
Que carrega uma grande folha na cabeça,
Que anda na trilha por instinto...
Mas o pensamento corre à frente,
Deixando uma comprida esperança....


Sinvaline Pinheiro

segunda-feira, 19 de fevereiro de 2007


(...)

aspiro-te

como se me faltasse o ar

e os perfumes dançam-me


qualquer coisa como uma droga bem forte

corpo e alma

rezam pequenas orações

gestos ritmados ao abraçar-te como que abraça

sonhos

(...)
Ana Mafalda Leite


Passou a primavera e os lábios

floresceram

se encheram de rubro ardor

Ana Mafalda Leite


O desejo que em viço

os abriu

ainda os não beijou

Ana Mafalda Leite

quarta-feira, 14 de fevereiro de 2007

Nem bem-te-vi
logo te amei
sabiá que era pra sempre
enquanto pra sempre durasse


colibri você de beijos
te beija-flor dias inteiros
e anum teto de estrelas
outros segredos


No final dos tempos
quando as eras trocam suas vestes
condor me despedi
pedi pardal por todos os erros
e migrei do meu inverno


e, quem sabiá
bons tempos gaivotam.
Texto de autor desconhecido

terça-feira, 13 de fevereiro de 2007


Meu Mundo pede silêncio.
Quando o silêncio é verdadeiro,
o Mundo vibra.
O silêncio faz girar o Mundo. Estremecer.
O faz girar, vezes que ninguém conta,
à volta dos astros e de si próprio.
O Universo está cheio de silêncio.

A coloração escura dos astros com o cintilar das estrelas
é a verdadeira cor do silêncio.
O silêncio veste-se do dia e da noite.
Por isso não se vê quando é olhado.
O espaço sem som é o mundo despido.

Silêncio
Pra ver crescer uma árvore ou uma manhã
E acompanhar o movimento dos ramos e da névoa
sem tomar fôlego ou fechar os olhos.
Silêncio
é ver tudo crescer e
ser o tudo que cresce.
Silenciar o corpo e evoluir.
Silêncio

é respirar sem suor nem esforço.
Silênciar é ser simples como o Sol:
dar calor e ser feliz por isso .
Ser feliz em silêncio, sem vento nem palavras.
Meu Mundo mais do que em todos os outros dias
Pede silêncio!

domingo, 11 de fevereiro de 2007

Um pequenino grão de areia
Que era um pobre sonhador
Olhando o céu viu uma estrela
E imaginou coisas de amor

Passaram anos, muitos anos
Ela no céu e ele no mar
Dizem que nunca o pobrezinho
Pode com ela encontrar

Se houve ou se não houve
Alguma coisa entre eles dois
Ninguém soube até hoje explicar
O que há de verdade
É que depois, muito depois
Apareceu a estrela do mar

Paulo Soledade

quinta-feira, 8 de fevereiro de 2007


sei de uma mulher
que penteava os cabelos ao sol
porque tinha no pensamento uma flor

sei que os lavava ao luar
porque tinha no coração uma corola
com a boca mordia o ar
e prendia os vestidos ao vento

era uma mulher sentada numa pedra
coroada por um lírio na fronte

era uma mulher imaginada no coração de outra mulher

para poder respirar
um dia cortou os cabelos atirando-os um a um ao mar
como quem canta e chora os segredos ao espelho

mais nada se pode saber

transformou-se numa árvore
como a árvore iluminada de Buda
Maat

quarta-feira, 7 de fevereiro de 2007


A lua é como um espelho

cujo cristal foi embaciado

pelos suspiros das donzelas.

E a noite veste-se com a luz da sua lâmpada

como a negra tinta se veste com a brancura do papel.



David Mourão-Ferreira

Poesia


O mais perfeito dos sons humanos é a palavra.

A poesia é a forma mais perfeita da palavra.


Han Yu

Poesia


A poesia numa obra é o que faz aparecer o invisí­vel.

Nathalie Sarraute

Poesia


Poeta,
divina é a Palavra
na pura Beleza o céu repousa
toda a alegria nossa:
e o Verso é tudo.

Gabrielle d’Annunzio


... Canto porque o amor apetece.

Porque o feno amadurece

nos teus braços deslumbrados.

Porque o meu corpo estremece

por vê-los nus e suados.

Eugénio de Andrade

terça-feira, 6 de fevereiro de 2007

Pergunta-me


"Pergunta-me
se ainda és o meu fogo
se acendes ainda
o minuto da cinzas
e despertas
a ave magoada
que se queda
na árvore do meu sangue

Pergunta-me
se o vento não traz nada
se o vento tudo arrasta
se na quietude do lago
repousaram a fúria
e o tropel de mil cavalos

Pergunta -me
se te voltei a encontrar
de todas as vezes que me detive
junto das pontes e
nevoadas
e se eras tu
quem eu via
na infinita dispersão do meu ser
se eras tu
que reunias pedaços do meu poema
reconstruindo
a folha rasgada
na minha mão descrente

Qualquer coisa
pergunta-me qualquer coisa
uma tolice
um mistério indecifrável
simplesmente
para que eu saiba
que queres ainda saber
para que mesmo sem te responder
saibas o que te quero dizer"

Mia Couto - Raiz do Orvalho


quando entro mar adentro
e me sustento
o mar alto mal repara
mal me sente

ai de mim
que de sôfrego desejo
ter do mar por fim
o sal só do seu beijo

Jorge Castro

domingo, 4 de fevereiro de 2007


Agora deixai-me partir

Pesaria tão pouco sobre as águas

Levaria tão pouca coisa

Alguns rostos

O céu de Verão

Uma rosa aberta

Anne Perrier

Existem


Existem momentos,
que parecem um dia sem noite,
ou noite sem dia.
São momentos serenos em que o tempo sorri
e a alma implora.

Porque nesses momentos
nascem dentro de nós
gestos carinhosos,
o calor de uma atenção
uma pequena afirmação
"estou aqui"
a alma que precisa de um refúgio
e ( re ) conhecer a mão que a afaga,
mesmo que não a possa ver.

Nessa comunhão
por vezes silenciosa,
temos a certeza de não estarmos sós.
Porque o silêncio
não gosta de ser interrompido,
excepto pelos sons da natureza
ou ainda por aqueles momentos mágicos
que não nos é indiferentes.

Luís Gaspar


Há quem diga que todas as noites são de sonhos.

Mas há também quem garanta que nem todas,

só as de verão.

No fundo isso não tem importância.

O que interessa mesmo

não são as noites em si,

são os sonhos.

Sonhos que o homem sonha sempre.

Em todos os lugares,

em todas as épocas do ano,

dormindo ou acordado.

Shakespeare

sexta-feira, 2 de fevereiro de 2007


" ...tudo é questão

de manter a mente aberta

a espinha ereta

e o coração tranquilo..."


Walter Franco


Dou por ganho tudo o que perdi

e por recebido tudo o que esperei

e por vivido tudo o que sonhei

e por sonhado tudo o que vivi


Juan Guzmán Cruchaga - poeta chileno

Declaração de amor aos quatro ventos


Amo-te em pequenas coisas:

nas que posso contar e nas incontáveis

Do que sou:

tiro um pouco para te dar

e semeias em mim o que és para fazer-me crescer

E assim vamos sendo:

eu e tu um mundo (tão grande)

que cabe muitos de nós.

E somos todos:

um para o outro!

Chá de Rosas

Quero Apenas


Além de mim, quero apenas
essa tranqüilidade de campos de flores
e este gesto impreciso
recompondo a infância.

Além de mim
– e entre mim e meu deserto –
quero apenas silêncio,
cúmplice absoluto do meu verso,
tecendo a teia do vestígio
com cuidado de aranha.

Olga Savary


quinta-feira, 1 de fevereiro de 2007

Ensina-me como aprenderei a contar

As areias da praia

Sem as espalhar,

Como juntar as nuvens

Sem as esfarrapar,

Como nadar no rio sem me molhar.

Ensina-me a amar sem sofrer

A ter sem saber

A compartilhar e receber

A dar e perder.

Ensina-me a voar

A ter asas e as merecer,

A usar palavras

Sem as estragar,

E sobretudo

Ensina-me a ficar

Aqui a olhar

O vai vém
Das ondas do mar...

Piedade Araújo Sol

Chuva, porque cais?
Vento, aonde vais?
Pingue...Pingue...Pingue...
Vu...Vu...Vu...
Chuva, porque cais?

Vento, aonde vais?
Pingue...Pingue...Pingue...
Vu...Vu...Vu...
Ó vento que vais,

Vai devagarinho.
Ó chuva que cais,
Mas cai de mansinho.
Pingue...Pingue...
Vu...Vu...
Muito de mansinho

Em meu coração.
Já não tenho lenha,
Nem tenho carvão...
Pingue...Pingue...Vu...Vu...
Que canto tão frio

Que canto tão terno,
O canto da água,
O canto do Inverno...
Pingue...
Que triste lamento,

Embora tão terno,
O canto do vento,
O canto do Inverno...
Vu...
E os pássaros cantam

E as nuvens levantam!

Matilde Rosa Araújo


O Silêncio

Quando a ternura
parece já do seu ofício fatigada,

E o sono, a mais incerta barca,
inda demora,

Quando azuis irrompem
os teus olhos

E procuram
nos meus navegação segura,

é que eu te falo das palavras
desamparadas e desertas,

pelo silêncio fascinadas.
Eugénio de Andrade


Sentes
Como te percorro num poema?
Como sílaba a sílaba
Te toco e te quero
Te mordo e desejo
E amando o poema
Te amo e me prendo em ti?

Sentes
Como as palavras se tormam dedos
Mãos, pernas?
E são carícias que crescem
E tocam a pele
E a preenchem, a enchem
E a sobem no corpo, são corpos
Carne e desejo que pulsa em mim?

Sentes
Como os versos se enrolam e se tocam?
Como se entrelação e enroscam
E te envolvem e te tocam
E se amam e te amam
E têm cheiros, e são sons
E ganham vida e se soltam
E na boca sabem a mim e a ti?

Sentes
Como é escrever as palavras?
Como é senti-las no corpo
Arrancá-las do corpo
Para te entregar, para que as sintas
Para que o poema seja teu
E sejamos o poema
E eu seja a palavra
E tu sejas a poesia...

Sentes como te percorro num poema?


"Encandescente"

Quando choro
todos os rios do mundo chovem no meu rosto
todos os amores represados desaguam no meu corpo
todos os amanheceres me anoitecem no olhar
por isso
aqui fico
navio soterrado na margem
assim
de braços calados
sem lágrimas

Jorge Casimiro - Murmúrios Ventos


Os teus poemas pulsam-me nas

veias...

Os teus poemas enchem-me os sentidos...


Amanheci sonhando odores vagos,

anoiteci vazia, já sem vida...

Brotei dessas reservas, incontida,

com bálsamos no corpo e vagas

feridas

das lutas que travei para não correr

atrás da vida que levas contigo...


Nas tuas mãos de pétalas brisadas

teu coração, espelho dos meus dias

cinzentos, inconfessos, malparados,

de humanidade mal realizada,

correndo atrás de feitos incompletos

que se espalmam em lágrimas

frustradas...


A poesia é tua, não é minha,

porque os meus versos, esses, são

palavras...


Rosa Teixeira Bastos

do livro

"Poder das Luas"