segunda-feira, 24 de setembro de 2007


O luar enche a terra de miragens

e as coisas têm hoje uma alma virgem,

o vento acordou entre as folhagens

uma vida secreta e fugitiva,

feita de sombra e luz, terror e calma,

que é o perfeito acorde da minha alma.



Sophia de Mello Breyner

domingo, 23 de setembro de 2007


A ausência torna o coração mais amante


Sexto Aurélio Propércio


É quando me solta

Que mais tu me prende

Depois do Inverno, morte figurada,

A primavera, uma assunção de flores.

A vida

Renascida

E celebrada

Num festival de pétalas e cores.

Miguel Torga

Flores


Era preciso agradecer às flores

Terem guardado em si,

Límpida e pura,

Aquela promessa antiga

Duma manhã futura.


Sophia de Mello Breyner

Poema à Manhã - Agradecimento


Abri a janela

para a manhã que me tomou de surpresa

com a sua adolescente beleza,

seu céu azul, esmaltado,

e me deixei ficar, por um momento, em silêncio

deslumbrado...

E só pude dizer finalmente,

com a humildade de crente:



- Obrigado !



J.G. de Araujo Jorge


No fim tu hás de ver

que as coisas mais leves são as únicas

que o vento

não conseguiu levar:

um estribilho antigo,

um carinho no momento preciso,

o folhear de um livro de poemas,

o cheiro que tinha um dia,

o próprio vento....

Mário Quintana

sexta-feira, 21 de setembro de 2007

Em quem pensar, agora, senão em ti?
Tu, que me esvaziaste de coisas incertas,
e trouxeste amanhã da minha noite.
(...)
ensinaste-me a sermos dois;
e a ser contigo aquilo que sou,
até sermos um
apenas no amor que nos une,
contra a solidão que nos divide.
Mas é isto o amor:
ver-te mesmo quando te não vejo,
ouvir a tua voz que abre as fontes de todos os rios,
mesmo esse que mal corria quando por ele passámos,
subindo a margem em que descobri o sentido de irmos contra o tempo,
para ganhar o tempo que o tempo nos rouba.
(...)
Tu: a primavera luminosa da minha expectativa,
a mais certa certeza de que gosto de ti,
até ao fundo do mundo que me deste.

Nuno Júdice

quinta-feira, 20 de setembro de 2007

Espaço Curvo e Finito


Oculta consciência de não ser,

Ou de ser num estar que me transcende,

Numa rede de presenças

E ausências,

Numa fuga para o ponto de partida:

Um perto que é tão longe,

Um longe aqui.


Uma ânsia de estar e de temer

A semente que de ser se surpreende,

As pedras que repetem as cadências

Da onda sempre nova e repetida

Que neste espaço curvo vem de ti.


José Saramago

quarta-feira, 19 de setembro de 2007

Indivisíveis


O meu primeiro amor e eu sentávamos numa pedra

Que havia num terreno baldio entre as nossas casas.

Falávamos de coisas bobas,

Isto é, que a gente achava bobas

Como qualquer troca de confidências entre crianças de cinco anos.

Crianças…

Parecia que entre um e outro nem havia ainda separação de sexos

A não ser o azul imenso dos olhos dela,

Olhos que eu não encontrava em ninguém mais,

Nem no cachorro e no gato da casa,

Que tinham apenas a mesma fidelidade sem compromisso

E a mesma animal - ou celestial - inocência,

Porque o azul dos olhos dela tornava mais azul o céu:

Não, não importava as coisas bobas que diséssemos.

Éramos um desejo de estar perto, tão perto

Que não havia ali apenas duas encantadas criaturas

Mas um único amor sentado sobre uma tosca pedra,

Enquanto a gente grande passava, caçoava, ria-se, não sabia

Que eles levariam procurando uma coisa assim por toda a sua vida…



Mário Quintana

terça-feira, 18 de setembro de 2007


Nenhum homem é uma ilha isolada;

cada homem é uma partícula do continente,

uma parte da terra;

se um torrão é arrastado para o mar,

a Europa fica diminuída,

como se fosse um promontório,

como se fosse a casa dos teus amigos ou a tua própria;

a morte de qualquer homem diminui-me,

porque sou parte do gênero humano.

E por isso não perguntes por quem os sinos dobram;

eles dobram por ti.

John Donne

domingo, 16 de setembro de 2007

Mestre Cartola


Trovadores, os cancioneiros de poesias conjugadas com a música, que enaltecia o amor ou fazia criticas à comportamentos da sociedade.

E no dia 11 de Outubro de 1908 nascia no Rio de Janeiro, no bairro do Cadete o "trovador"Angenor de Oliveira, o Cartola.Que só se deu conta de que seu nome não era Agenor e sim Angenor quando estava providenciando os documentos para o seu casamento.

Homem simples que ao longo de mais de cinco décadas construiu um dos legados musicais mais importantes do cancioneiro nacional.
Foi no morro da Mangueira, depois de ficar viúvo e se recuperar de uma fase nada boa de saúde, que Cartola conhece e começa a namorar dona Euzébia Silva do Nascimento, conhecida carinhosamente por dona Zica, com quem viveu até morrer no dia 30 de Novembro de 1980 no Rio de Janeiro.

Em sua vida, Cartola compôs, sozinho ou em parcerias, cerca de quinhentas canções. Seus principais parceiros: Elton Medeiros, Carlos Cachaça, Noel Rosa e Dalmo Castello.
Tamanha é a grandeza de seus versos e melodias que até hoje essas músicas são regravadas por vários intérpretes,
Paulinho da Viola, Ney Matogrosso, Beth Carvalho, Alcione, Marisa Monte , Chico Buarque, Leny Andrade e Cazuza.

O apelido Cartola surgiu na época que trabalhava como pedreiro.Vaidoso usava um chapéu coco para evitar que seus cabelos ficassem sujos.

Cartola dizia ter 3 paixões, Dona Zica, Mangueira e a música.

O Mestre Cartola compôs e cantou o amor como ninguém.

http://www.nossosite2.biz/NeyMatogrosso/Peito_Vazio.mid

Peito Vazio

Nada consigo fazer

Quando a saudade aperta

Foge-me a inspiração

Sinto a alma deserta

Um vazio se faz em meu peito

E de fato eu sinto

Em meu peito um vazio

Me faltando as tuas carícias

As noites são longas

E eu sinto mais frio.

Procuro afogar no álcool

A tua lembrança

Mas noto que é ridícula

A minha vingança

Vou seguir os conselhos

De amigos

E garanto que não beberei

Nunca mais

E com o tempo

Essa imensa saudade que sinto

Se esvai


quarta-feira, 12 de setembro de 2007


Que venha logo
=
E dure um ano, a Primavera.


Pra que eu possa brincar de Mãe Natureza


E florir todo o meu Jardim...

O Haver

Resta, acima de tudo, essa capacidade de ternura


Essa intimidade perfeita com o silêncio

Resta essa voz íntima pedindo perdão por tudo

- Perdoai-os! porque eles não têm culpa de ter nascido.

Resta esse antigo respeito pela noite, esse falar baixo

Essa mão que tateia antes de ter, esse medo

De ferir tocando, essa forte mão de homem

Cheia de mansidão para com tudo quanto existe.

Resta essa imobilidade, essa economia de gestos

Essa inércia cada vez maior diante do Infinito

Essa gagueira infantil de quem quer exprimir o inexprimível

Essa irredutível recusa à poesia não vivida.

Resta essa comunhão com os sons, esse sentimento

Da matéria em repouso, essa angústia da simultaneidade

Do tempo, essa lenta decomposição poética

Em busca de uma só vida, uma só morte, um só Vinicius.

Resta esse coração queimando como um círio

Numa catedral em ruínas, essa tristeza

Diante do cotidiano; ou essa súbita alegria

Ao ouvir passos na noite que se perdem sem história.

Resta essa vontade de chorar diante da beleza

Essa cólera em face da injustiça e o mal-entendido

Essa imensa piedade de si mesmo, essa imensa

Piedade de si mesmo e de sua força inútil.

Resta esse sentimento de infância subitamente desentranhado

De pequenos absurdos, essa capacidade

De rir à toa, esse ridículo desejo de ser útil

E essa coragem para comprometer-se sem necessidade.

Resta essa distração, essa disponibilidade, essa vagueza

De quem sabe que tudo já foi como será no vir-a-ser

E ao mesmo tempo essa vontade de servir, essa

Contemporaneidade com o amanhã

Dos que não tiveram ontem nem hoje.

Resta essa faculdade incoercível de sonhar

De transfigurar a realidade, dentro dessa incapacidade

De aceitá-la tal como é, e essa visão

Ampla dos acontecimentos, e essa impressionante

E desnecessária presciência, e essa memória anterior

De mundos inexistentes, e esse heroísmo

Estático, e essa pequenina luz indecifrável

A que às vezes os poetas dão o nome de esperança.

Resta esse desejo de sentir-se igual a todos

De refletir-se em olhares sem curiosidade e sem memória

Resta essa pobreza intrínseca, essa vaidade

De não querer ser príncipe senão do seu reino.

Resta esse diálogo cotidiano com a morte, essa curiosidade

Pelo momento a vir, quando, apressada

Ela virá me entreabrir a porta como uma velha amante

Mas recuará em véus ao ver-me junto à bem-amada.

Resta esse constante esforço para caminhar dentro do labirinto

Esse eterno levantar-se depois de cada queda

Essa busca de equilíbrio no fio da navalha

Essa terrível coragem diante do grande medo,

e esse medo Infantil de ter pequenas coragens.


Vinicius de Moraes

domingo, 9 de setembro de 2007


Tu és como o rosto das rosas:
diferente em cada pétala.
=
Onde estava o teu perfume?
Ninguém soube.
=
Teu lábio sorriu para todos os ventos
E o mundo inteiro ficou feliz.
=
Cecília Meireles


Às vezes é preciso destravar portas,

abrir todas as janelas,

deixar o vento entrar,

destravar os cintos da insegurança

e decolar para assistir a terra de luneta,

comer pipoca sentado na lua,

escorregar pelas pontas das estrelas,

dançar no ventre das nuvens,

sonhar em outros planetas

e dar muitas risadas com os cometas.



Às vezes é preciso ficar só

Com um papel e uma caneta

para colorir o coração

e colocar mais alegria no viver

e se encantar com a felicidade

e não se esquecer dos sonhos!


Major Robson Rodrigues da Silva

sábado, 8 de setembro de 2007

O Príncipe Desconhecido


Tu também, ó Princesa,

na tua fria alcova olhas as estrelas
=
que tremulam de amor e de esperança!

Mas o meu mistério está fechado comigo,

O meu nome ninguém saberá!

Não, não, sobre a tua boca o direi,
=
Quando a luz resplandecer!

E o meu beijo destruirá o silêncio que te faz minha!”

Puccini

Tu tens um medo


Acabar.
Não vês que acabas todo o dia.
Que morres no amor.
Na tristeza.Na dúvida.No desejo.
Que te renovas todo dia.
No amor.Na tristezaNa dúvida.No desejo.
Que és sempre outro.
Que és sempre o mesmo.
Que morrerás por idades imensas.
Até não teres medo de morrer.
E então serás eterno.
Não ames como os homens amam.
Não ames com amor.
Ama sem amor.
Ama sem querer.
Ama sem sentir.
Ama como se fosses outro.
Como se fosses amar.
Sem esperar.
Tão separado do que ama, em ti,
Que não te inquiete
Se o amor leva à felicidade,
Se leva à morte,
Se leva a algum destino.
Se te leva.E se vai, ele mesmo.
Não faças de ti
Um sonho a realizar.
Vai.
Sem caminho marcado.
Tu és o de todos os caminhos.
Sê apenas uma presença.
Invisível presença silenciosa.
Todas as coisas esperam a luz,
Sem dizerem que a esperam.
Sem saberem que existe.
Todas as coisas esperarão por ti,
Sem te falarem.
Sem lhes falares.
Sê o que renuncia
Altamente:
Sem tristeza da tua renúncia!
Sem orgulho da tua renúncia!
Abre as tuas mãos sobre o infinito.
E não deixes ficar de ti
Nem esse último gesto!
O que tu viste amargo,
Doloroso,Difícil,O que tu viste inútil
Foi o que viram os teus olhos
Humanos,
Esquecidos
Enganados
No momento da tua renúncia
Estende sobre a vida
Os teus olhos
E tu verás o que vias:
Mas tu verás melhor
E tudo que era efêmero
se desfez.
E ficaste só tu,
que é eterno.

Cecília Meirelles


Houve um tempo em que minha janela

se abria sobre uma cidade que parecia

ser feita de giz.

Perto da janela havia um

pequeno jardim quase seco.

Era uma época de estiagem, de terra

esfarelada, e o jardim parecia morto.

Mas todas as manhãs vinha um pobre

com um balde e, em silêncio, ia atirando

com a mão umas gotas de água sobre

as plantas. Não era uma rega: era uma

espécie de aspersão ritual, para que o

jardim não morresse. E eu olhava para

as plantas, para o homem, para as gotas

de água que caíam de seus dedos magros

e meu coração ficavacompletamente feliz.

Às vezes abro a janela

e encontro o jasmineiro em flor.

Outras vezes

encontro nuvens espessas.

Avisto crinças que vão para a escola.

Pardais que pulam pelo muro.

Gatos que abreme fecham os olhos,

sonhando compardais.

Borboletas brancas, duas a duas,

como refelectidas no espelho do ar.

Marimbondos que sempre me parecem

personagens de Lope de Vega.

Às vezes um galo canta.

Às vezes umavião passa.

Tudo está certo, no seulugar, cumprindo o seu destino.

E eu mesinto completamente feliz.

Mas, quando falo dessas pequenas felicidades certas,

que estão diante decada janela, uns dizem que essas coisas

não existem, outros que só existem diante das minhas janelas,

e outros, finalmente, que é preciso aprender a

olhar, para poder vê-las assim.

Cecília Meireles

sexta-feira, 7 de setembro de 2007

Assim como amo


Assim como amo as flores e os ares da primavera,

E a imensidão do mar entardecendo com o dia.

Assim como amo caminhar descalça no verde latejante da grama,

E adormecer sobre a sombra e sob as flores de uma cerejeira.

Assim como amo todas as multicores de um arco-íris

E os dias que chovem e que me trazem inspiração.

Assim eu te amo, com a mesma leveza e encanto,

Com a mesma doçura de um raro canto.

Assim eu te amo, porque o amor é esta mesma delicadeza,

De um saber viver por si só como a natureza.


Carine

quinta-feira, 6 de setembro de 2007

A Flor e o Espinho

Tire o seu sorriso do caminho

Que eu quero passar com a minha dor

Hoje pra você eu sou espinho

Espinho não machuca a flor

Eu só errei quando juntei minh'alma à sua

O sol não pode viver perto da lua

É no espelho que eu vejo a minha mágoa

É minha dor e os meus olhos rasos d'água

Eu na tua vida já fui uma flor

Hoje sou espinho em seu amor

Tire o seu sorriso do caminho

Que eu quero passar com minha dor

Hoje pra você eu sou espinho

Espinho não machuca a flor

Eu só errei quando juntei minh'alma à sua

O sol não pode viver perto da lua


Nelson Cavaquinho, Guilherme de Brito e Alcides Caminha

quarta-feira, 5 de setembro de 2007


Em todas as ruas te encontro

em todas as ruas te perco

conheço tão bem o teu corpo

sonhei tanto a tua figura

que é de olhos fechados que eu ando

a limitar a tua altura

e bebo a água e sorvo o ar

que te atravessou a cintura

tanto tão perto tão real

que o meu corpo se transfigura

e toca o seu próprio elemento

num corpo que já não é seu

num rio que desapareceu

onde um braço teu me procura

Em todas as ruas te encontro

em todas as ruas te perco

Mário Cesariny


La muerte es una vida vivida
=
La vida es uma muerte que viene
=
Jorge Luis Borges


Acordei com a alma na mão.

Uma sangria escorria entre dedos.

Com o polegar fiz pressão contra o corte

Que engoliu meu dia.



Viviane Mosé

terça-feira, 4 de setembro de 2007

Dedicado à Você

Vem
=
Se eu tiver você no meu prazer

=Se pudesse ficar com você

=Todo o momento, em qualquer lugar

=Ah!

=Se no desejo você fosse o amor

=Durante o frio fosse o calor

=Na minha lua, você fosse o mar

=Vem, meu coração se enfeitou de céu

=Se embebedou na luz do teu olhar

=Queria tanto ter você aqui!

=Ah! se teu amor fosse igual ao meu

=Minha paixão ia brilhar, e eu

=Completamente ia ser feliz!



Dominguinhos

domingo, 2 de setembro de 2007

Amores


Ao amor conhecido:

tempo infinito

Ao amor não correspondido:

tempo perdido

Ao amor esquecido:

tempo parado

Ao amor dolorido:

tempo acabado

Ao amor não brotado:

tempo esperado

Ao amor interrompido:

tempo doído

Ao amor necessário:

tempo descompassado

Ao amor sem vazão:

tempo atrasado

Ao amor a murchar:

tempo difícil

Ao amor que senti:

tempo sem igual



Paulo de Tarso Fontoura


Nem sempre sou igual no que digo e escrevo.

Mudo, mas não mudo muito.

A cor das flores não é a mesma ao sol

De que quando uma nuvem passa

Ou quando entra a noite

E as flores são cor da sombra.

Mas quem olha bem vê que são as mesmas flores.

Por isso quando pareço não concordar comigo,

Reparem bem para mim:

Se estava virado para a direita,

Voltei-me agora para a esquerda,

Mas sou sempre eu, assente sobre os mesmos pés

O mesmo sempre, graças ao céu e à terra

E aos meus olhos e ouvidos atentos

E à minha clara simplicidade de alma.


Alberto Caeiro

Quero que os outros entendam o que jamais entenderei.
=
Quero que me dêem isto:
=
Não a explicação, mas a compreensão.
=
Clarice Lispector



O bom do caminho é haver volta.

Para ida sem vinda

Basta o tempo.



Mia Couto