segunda-feira, 28 de março de 2011

O açúcar

O branco açúcar que adoçará meu café

Nesta manhã de Ipanema

Não foi produzido por mim

Nem surgiu dentro do açucareiro por milagre

Vejo-o puro

E afável ao paladar

Como beijo de moça,

Água na pele, flor

Que se dissolve na boca


Mas este açúcar

Não foi feito por mim

Este açúcar veio

Da mercearia da esquina e

Tampouco o fez o Oliveira Dono da mercearia

Este açúcar veio

De uma usina de açúcar em Pernambuco

Ou no Estado do Rio

E tampouco o fez o dono da usina

Este açúcar era cana

E veio dos canaviais extensos

Que não nascem por acaso

No regaço do vale

Em lugares distantes

Onde não há hospital

Nem escola, homens que não sabem ler

E morrem de fome aos 27 anos

Plantaram e colheram a cana

Que viraria açúcar

Em usinas escuras, homens de vida amarga

E dura


Produziram este açúcar

Branco e puro

Com que adoço meu café nesta manhã

Em Ipanema



Ferreira Gullar

Creio


De tal modo é

Que eu jamais negá-lo poderia:

Sou agarrada na saia da poesia

Para dar um passeio que seja

Uma viagem de carro avião ou trem

À montanha, à praia, ao campo

Uma ida a um consultório

Com qualquer possibilidade, ínfima que seja, de espera

Passo logo a mão nela pra sair:

É um Quintana, uma Adélia, uma Cecília, um Pessoa

Ou qualquer outro a quem eu ame me unir


Porque sou humano e creio no divino da palavra

Pra mim é um oráculo a poesia

É meu tarô, meu baralho, meu tricot

Meu i ching, meu dicionário, meu cristal clarividente

Meus búzios, meu copo com água

Meu conselho, meu colo de avô

A explicação ambulante para tudo o que pulsa e arde

A poesia é síntese filosófica, fonte de sabedoria

E bíblia dos que, como eu

Crêem na eternidade do verbo, na ressurreição da tarde e na vida bela


Amém!

Elisa Lucinda

Poesia é a arte do encontro


A palavra encontra o papel

= O autor encontra a imagem que vai traduzir sua idéia =

O leitor se encontra com uma sensação que já conhecia =

Mas que nunca havia formulado claramente antes =



Do livro

"A poesia do encontro"

Elisa Lucinda e Rubem Alves

terça-feira, 22 de março de 2011

No templo


No templo, há um poema chamado Perda esculpido em pedra
Tem três palavras
Mas o poeta lhes arranhou
Você não pode ler a perda, só sentir
=
Diário de uma Gueixa

Perfume


O amor é o perfume das almas

Dom Hélder Câmara

Sou...


Sou romântica não escondo

Aquece o coração

Alimenta a relação

segunda-feira, 21 de março de 2011

Bom...


Amar é bom

Melhor ainda é demonstrar

Cada um tem seu aviso


Tem um aviso na porta do meu coração:

"Quem não dança conforme o ritmo da casa
Não perca tempo tocando a campainha "


Maria Bethânia

Amor, amor, amor!


Uma mulher infeliz por ter amor de menos
Outra infeliz por ter amor demais
E o amor injustamente crucificado por ambas
Coitado do amor, é sempre acusado de provocar dor
Quando deveria ser reverenciado simplesmente
Por ter acontecido em nossa vida
Mesmo que sua passagem tenha sido breve
E se não foi, se permaneceu em nossa vida
Aí é o luxo supremo
Qualquer amor - até aqueles que a gente inventa
Merece nossa total indulgência
Porque quem costuma estragar tudo, caríssimos

Não é ele, somos nós

Martha Medeiros

Perfume


Cheiro pingado
Respingado, risonho
Cheiro de alegriazinha

Guimarães Rosa

quinta-feira, 17 de março de 2011

Tan e Umi

quinta-feira, 10 de março de 2011

Prefiro


Prefiro quando a vida me vem de surpresa
E me agarra pela pernas
Quando me vem saborosa
E se derrete em minha boca
Me fazendo querer mais
Quando a vida vem
Em calmaria plena
De silêncios absolutos
Ou chega musical e sonora
Cantarolando em voz alta
Quando a vida vem assim:
Imagem e cena
Sequenciada em fotografia

Quando a vida me vem
(não importa como)
Abraço!

Aprecio viver


Juliana Regina Marques

Guarda...


Não entendo porque guarda-chuva se chama guarda-chuva e não guarda- cabeça

Afinal, de que lado ele está?



Rita Apoema

Quimera


Ela buscava liberdade
Mas sua vida se resumia na falta de permissão
Quando amou pela primeira vez
Se fez prisioneira, pela primeira vez
Acreditou que o amor tinha limites, propriedade, contrato
E por isso não se entregou
Nem a este, nem a outros amores
Amou
E não amou. Sofreu
Não se libertou

Depois veio outro
Arrebatador. Proibido (?!)
De novo, ela não tinha permissão
Amou
Sentiu-se amada. Desamou
Sorriu
E novamente chorou
Se fechou

Criativa
Inventou outras paixões
Esqueceu que permanecia trancada
E as paixões foram como borboletas
Belas e efêmeras

Ela não estava pronta para a liberdade
Ela gostava mesmo era de sonhar

Aline Barra

EnCanto


Em meio à boemia
Era a poesia o que os unia
Ele,
Multi artista, boêmio, apaixonado
Ela,
Perdida
Sem arte nem paixão
Tudo que sabia era transformar dor em poesia


Ele,
Um misto de Dom Quixote e Arlequim
Hora vestido de armaduras
Hora envolto em retalhos multi coloridos
Ela,
Dama náufraga
Viu-se Colombina
Serva
Dos teus encantos


E como por encanto
No instante em que os pássaros cantaram
E os relógios pararam
A poesia (deles) se fez presente
E ela conseguiu ganhar-lhe o coração


Mas,
Os relógios tinham que seguir
E até mesmo os pássaros
Precisavam de descanso
Para renovar teu [en]canto...


Aline Barra


Viver


A arte de ser louco é jamais cometer a loucura
De ser um sujeito normal

Raul Seixas

sexta-feira, 4 de março de 2011

Vestindo a fantasia


Queixo-me às rosas,
Mas que bobagem
As rosas não falam
Simplesmente as rosas exalam
O perfume que roubam de ti

Cartola


Jeito de amar


A mãe era um estrago de braba, mas quando eu lembro dela me castigando com o safanão do pente na cabeça e me fazendo dois molhos de cachinhos pra eu ir bonita pra escola, me dá um engasgo, uma saudade sem remédio, uma vontade de ser pobre igual antigamente, só pra escutar ela falar:
Já ta ficando mocinha, umas roupinhas melhores...
e o pai: moça bonita não precisa disso não...

Eh, meu Deus, quanto jeito que tem de ter amor!



Adélia Prado

Para isso vale


Estava muito surpresa com a perfeita mecânica do mundo e muitíssimo agradecida por estar vivendo. Foi quando teve o pensamento de que tudo que nasce deve mesmo nascer do empecilho, mesmo que os nasciturnos formem hordas e hordas de miseráveis e os governos não saibam o que fazer com os sem-teto, os sem-terra, os sem-dentes e as igrejas todas reunidas em concílio esgotem suas teologias sobre caridade discernida e não tenhamos mais tempo de atender à porta a multidão de pedintes. Ainda assim, a vida é maior, o direito de nascer e morar num caixote à beira da estrada. Porque um dia, e por ser único dia em sua vida, um deserdado daqueles sai do buraco à noite e se maravilha. Chama seu compadre de infortúnio: vem cá, homem, repara se já viu céu mais estrelado e mais bonito que este!
Para isto vale nascer.


Adélia Prado