sexta-feira, 30 de maio de 2008

Sombra


Teu corpo

Faz a sombra

Do coração

Que há dentro de mim

Dorme, meu amor


Dorme, meu amor

Dorme, meu amor, que o mundo já viu morrer mais este dia

E eu estou aqui, de guarda aos pesadelos

Fecha os olhos agora e sossega

O pior já passou há muito tempo

E o vento amaciou

E a minha mão desvia os passos do medo

Dorme, meu amor

A morte está deitada

sob o lençol da terra onde nasceste

E pode levantar-se como um pássaro assim que adormeceres

Mas nada temas

as suas asas de sombra não hão-de derrubar-me

Eu já morri muitas vezes

e é ainda da vida que tenho mais medo

Fecha os olhos agora e sossega

A porta está trancada

E os fantasmas da casa que o jardim devorou

Andam perdidos nas brumas que lancei no caminho

Por isso, dorme, meu amor

Larga a tristeza à porta do meu corpo e nada temas

Eu já ouvi o silêncio

já vi a escuridão

Já olhei a morte debruçada nos espelhos

E estou aqui, de guarda aos pesadelos

A noite é um poema que conheço de cor

E vou contar-to até adormeceres



Maria do Rosário Pedreira

terça-feira, 27 de maio de 2008

Amar é!

Amar é
abraçar sem sufocar
prender mas manter a liberdade
ler no silêncio o que diz o coração

segunda-feira, 26 de maio de 2008

Me Revelar


Tudo aqui!

Quer me revelar

Minha letra

Minha roupa

Meu paladar

O que eu não digo

O que eu afirmo

Onde eu gosto de ficar

Quando amanheço

Quando me esqueço

Quando morro de medo do mar

Tudo aqui!

Quer me revelar

Unhas roídas

Ausências, visitas

Cores na sala de estar

O que eu procuro

O que eu rejeito

O que eu nunca vou recusar

Meu grito, meu beijo

Meu jeito de desejar

O que me preocupa

O que me ajuda

O que eu escolho prá amar

Quando amanheço

Quando me esqueço

Quando morro de medo do mar

C. Oyens e Zelia Duncan

sábado, 24 de maio de 2008

Vôo


- Venha até a borda, ele disse.

- Tenho medo.

- Venha até a borda, ele insistiu.

Ela foi,

Ele a empurrou...

e eles voaram.

Guillaume Apollinaire
=
Deixando o corpo empurra-me para um vôo
pra matar a vontade de voar

Alice Ruiz


De tanto não poder dizer

meus olhos deram de falar

só falta você ouvir

Alice Ruiz

terça-feira, 20 de maio de 2008

Só Saudade


Não sei quais teus pensamentos agora.

Os meu?

São teus!



Para um poeta que humildemente dizia não ser

Manuel Bandeira


Beijo pouco, falo menos ainda.

Mas invento palavras

Que traduzem a ternura mais funda

E mais cotidiana.

Inventei, por exemplo, o verbo teadorar.

Intransitivo:

Te adoro, Teodora

Clarice Lispector


Mas nem sempre é necessário tornar-se forte.

Temos que respeitar a nossa fraqueza.

Então, são lágrimas suaves,

de uma tristeza legítima à qual temos direito.

Elas correm devagar

e quando passam pelos lábios sente-se aquele gosto salgado,

límpido, produto de nossa dor mais profunda.

sábado, 17 de maio de 2008

Perfeito


Imperfeita

Mas existe o perfeito?

No amor também me zango

Calo e fico amuada

Ou então

Disparo e falo até o que não devo

No amor

Nem sempre estou certa

Mas sei quando não estou errada

No amor

Às vezes gosto menos

Mas não deixo de amar

No amor

Como em qualquer arte da vida

Me descubro

Imperfeita

Mas existe o perfeito?

Quadrigêmeos


Comentários


sexta-feira, 16 de maio de 2008


Só, mas bem acompanhada
Estar só nem sempre é solidão
Saber estar só
Como sendo uma condição de ser
É aprender a se conhecer
Momento para ouvir os pensamentos
Se deixar notar que
Há por vezes uma luz colorida
Que nos diz:
"Muito bom estar na companhia de si próprio!"

terça-feira, 13 de maio de 2008

Semelhantes


Se você é diferente
O nosso diferente tem um quê de semelhante
É diferente, semelhante, é diferente
Se você é semelhante
O nosso semelhante tem um quê de diferente
Semelhante, diferente, semelhante
Tem que tomar cuidado
Com os perigos da vida
Você é que tem a chave e o segredo da saída
Tem que ter muito carinho
E ter muito respeito
Quando eu penso em você e do meu jeito
Mas se quero te dar meu coração
E você diz não, não, não, não, não
Não sei de onde virá a calma
Já não sei de onde virá
A água do mar é o que me lava a alma
A água das ondas é o que me faz flutuar
Flutua, flutua
É minha sua voz, é sua
É sua minha voz, é sua
É minha sua voz

Dança, dança
Deixa flutuar a esperança.

Vai, deixa acontecer o que está perto de você
Acontecer como fato natural
Acontecer como a água da fonte
Acontecer seu espaço sideral
Está no olho o sinal
E eu
E você
Nós
O que estamos fazendo?
Amor
E ninguém pode parar
Mas quando a gente
Se junta e se separa
E se separa e se junta

Sem se separar!




Banda Peixe Elétrico

domingo, 11 de maio de 2008

Mãe




sábado, 10 de maio de 2008

Amor


O amor é como um pássaro


Que ama a liberdade


Se preso deixa de cantar



sexta-feira, 9 de maio de 2008

Mia Couto


(...)
havia duas maneira de partir:
uma era ir embora, outra era enlouquecer
=
Mia Couto

quarta-feira, 7 de maio de 2008

Rifa-se um coração


(...)

Rifa-se um coração que teima em alimentar sonhos e cultivar ilusões

Rifa-se um coração que nunca aprende, que não endurece

E mantém sempre a esperança de ser feliz

Um coração insensato que comanda o racional

Sendo louco o suficiente para se apaixonar

Que insiste em cometer

Sempre os mesmos erros

Rifa-se um coração

Ou mesmo troca-se por outro que tenha

Um pouco mais de juízo




Clarice Lispector

Querer


No início,
eu queria um instante.
A flor.

Depois,
nem a eternidade me bastava.
E desejava a vertigem
do incêndio partilhado.
O fruto.

Agora,
quero apenas
o que havia antes de haver vida.
A semente.
=
Mia Couto

sábado, 3 de maio de 2008

Palavras


Eu, que já fui chamada de Senhora do Silêncio

Hoje queria todas as palavras

E usar para aliviar esse som preso na garganta

Dizer alto e ouvir o eco batendo nas paredes

Um eco aflito que grita mais alto que as próprias palavras

Que ao sair da garganta ganham vida

E fazem um barulho infernal de liberdade

Maluca



Num dia triste de chuva
Foi minha irmã quem me chamou pra ver
Era um caminhão, era um caminhão
Carregado de botão de rosas
Eu fiquei maluca
Por flor tenho loucura, eu fiquei maluca
Saí
Quando voltei molhada
Com mais de dúzias de botão
Botei botão na sala, na mesa, na TV, no sofá
Na cama, no quarto, no chão, na penteadeira
Na cozinha, na geladeira, na varanda
E na janela era grande o barulho da chuva
Da chuva
Eu fiquei maluca
Eu fiquei maluca


Cássia Éller
Letra - Luiz Capuchoem>