Quero fazer o elogio do amor puro.
Parece-me que já ninguém se apaixona de verdade.
Já ninguém quer viver um amor impossível.
Já ninguém aceita amar sem uma razão.
Hoje as pessoas apaixonam-se por uma questão de prática.
Porque são colegas e estão ali mesmo ao lado.
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Porque se dão bem e não se chateiam muito. Porque faz sentido.
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Porque é mais barato, por causa da casa. Por causa da cama.
(...)
A paixão, que devia ser desmedida, é na medida do possível.
O amor tornou-se uma questão prática.
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O resultado é que as pessoas, em vez de se apaixonarem de verdade,
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ficam "praticamente" apaixonadas.
Eu quero fazer o elogio do amor puro, do amor cego,
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do amor estúpido, do único amor verdadeiro que há.
(...)
Incapazes de um gesto largo, de correr um risco,
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de um rasgo de ousadia.
Já ninguém aceita a paixão pura, a saudade sem fim, a tristeza,
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o desequilíbrio, o medo, o custo, o amor,
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a saudade que vive ali a comer-nos o coração
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e que nos canta no peito ao mesmo tempo
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(...)=
O amor é uma coisa, a vida é outra.
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O amor não é para ser uma ajudinha. Não é para ser o alívio,
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o repouso, o intervalo, a pausa que refresca, o pronto-socorro
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da tortuosa estrada da vida, o nosso "dá lá um jeitinho sentimental".
Para onde quer que se olhe, já não se vê romance, abraços, flores.
Amor é amor. É essa beleza. É esse perigo.
O amor puro não é um meio, não é um fim,
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não é um princípio, não é um destino. O amor puro é uma condição.
Tem tanto a ver com a vida de cada um como o clima.
O amor é um estado de quem se sente.
O amor é a nossa alma. O amor é uma verdade.
É por isso que a ilusão é necessária.
Num momento, num olhar, o coração apanha-se para sempre.
Ama-se alguém.Não se pode resistir.
A vida é uma coisa, o amor é outra.
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A vida dura a vida inteira, o amor não.
Só um mundo de amor pode durar a vida inteira.
Miguel Esteves Cardoso
