domingo, 31 de maio de 2009

Havia


Um homem e uma mulher

Que tinham olhos, coração

E fome de ternura


E souberam entender-se sem palavras




Daniel Filipe

Conversa em Silêncio (ou quase)


Vem, conversemos assim
Os pés e as mãos conhecem o desejo da alma
Fecho pois a boca e conversemos através da alma
Só a alma conhece o destino de tudo, passo a passo

Vem...
Jalaluddin Rumi

Então...


...bom encontro
é de dois
=
Vanessa da Mata

O que tem mais cabimento

=
Deslizar na canoa
=
Pelo rio barulhento
=
Ou ficar preso
=
No congestionamento?

O que é menos boboca

Morar numa oca

Comendo paçoca

Ou viver rabujento

Num apartamento

Qual a melhor cena

Crescer numa aldeia

Enfeitado de penas
=
Ou numa cidade
=
Cheia de antenas?

O que é mais civilizado

Deitar numa rede

E ficar sossegado

Ou correr contra o tempo

Sempre apressado?


O que é mais coerente

Viver no presente

Sempre contente

Ou viver no escuro

Planejando o futuro

O que é menos primata

Andar pelado no meio da mata
=
Ou se apertar
=
Com um nó de gravata?

O que dá mais arrepio

Tomar banho no rio

Mesmo no frio

Ou a assombração

Chamada poluição?

O que é mais desolado
=
Um cocar emplumado
=
E o corpo pintado
=
Ou ser um cara pálida
=
Com ar desbotado?

O que é mais sensato

Correr pelo mato

Sem usar sapato

Ou ter chulé

E criar calo no pé?

Responda agora pra valer
=
Melhor parecer
=
Com os alienígenas
=
Ou aprender
=
Com os indigénas!

Cláudio Fragata

domingo, 24 de maio de 2009

sábado, 23 de maio de 2009

Era uma vez


"Era uma vez", palavras mágicas

Que fazem brilhar olhos de crianças

E criam um novo mundo

E no mundo do Era uma vez

O Viveram felizes é agora

Misteriosamente

Essas palavras trazem Passado e Futuro

Para o Presente



E dentro do Era uma vez o amor cresce

Floresce

Acrescenta

E deixa a certeza de que há mais

De querer mais

Torna fantasia realidade

E faz da realidade uma doce fantasia

Seja eu


Seja eu de novo a tua sombra

Teu desejo

Tua virtude, tua carência

Eu que longe de ti sou fraca

Eu que já fui água, seiva vegetal

Sou agora gota trémula

Raiz exposta



Mia Couto

Vem


Vem morrer vivendo nos meus braços

Preenche com meu colo teus espaços

Do avesso do meu não, faz o teu sim

Vem poetar de amor dentro de mim
=
Lilia Chaves

Seguindo meu caminho


Senti teu beijo sobre a minha alma!

Meu espírito solitário te sonha em todas as coisas

Minha alma te busca por trás de toda emoção

Meu caminho está repleto de teu nome!
=
Renato Alejandro Huerta

Simples e Completo


Tudo o que é belo tende a ser simples.

Afirmação generalizante? Não sei.

O que sei é que a beleza anda de braços dados com a simplicidade.

Basta observar a lógica silenciosa que prevalece nos jardins.

Vida que se ocupa de ser só o que é.

Simplicidade é um conceito que nos remete ao estado mais puro da realidade.

A semente é simples porque não se perde na tentativa de ser outra coisa.

É o que é. Não desperdiça seu tempo querendo ser flor antes da hora.

Cumpre o ritual de existir, compreendendo-se em cada etapa.



Padre Fábio de Melo

domingo, 17 de maio de 2009

Pensar em você


Pensar em ti é coisa delicada

Penso em ti com tamanha ternura

Como se fosses vidro ou película de louça

Que apenas como o pensar te pudesses partir


Antônio Gedeão

No céu da tua boca


Não sei porque

Sorri de repente

E um gosto de estrela me veio na boca





Mário Quintana

Música


Cada um tem sua canção

A canção da vida

Que vai se compondo

Nota por nota

Combinando acordes e melodia

De forma harmoniosa

Utilizando sentimentos íntimos para se formar

Lágrimas que desaguam para aliviar

A explosão de emoção que brota do coração

Que nem sempre são tristes

Que nem sempre são felizes



E na busca da melodia

As palavras jorram

Nem sempre de forma ordenada

Nem sempre tão clara quanto deveria ser

Mas que tentam explicar as notas

Que vibram dentro do peito

Numa necessidade inesplicável de existir

Combinação chamada vida

E vida que chama e convida

A felicidade à dançar

terça-feira, 12 de maio de 2009

Nenhum perigo


Não, não ofereço perigo algum:

Sou quieta como folha de outono

Esquecida entre as páginas de um livro

Sou definida e clara como o jarro

Com a bacia de ágata no canto do quarto

Se tomada com cuidado

Verto água límpida sobre as mãos

Para que se possa refrescar o rosto

Mas

Se tocada por dedos bruscos

Num segundo me estilhaço em cacos

Me esfarelo em poeira dourada



Caio Fernando Abreu

Viver...


Então,

Que seja doce.

Repito todas as manhãs...
=
Caio Fernando Abreu

Quando se sente


E parecia uma menina cheia de fé

Em tudo aquilo que suspeitava real

Embora invisível

Caio Fernando Abreu

Voar


É dificil aprisionar os que tem asas



Caio Fernando Abreu

Brilhe !


Sabe, para mim a vida

É um punhado de lantejoulas e purpurina que o vento sopra

Daqui a pouco tudo vai ser passado mesmo

Deixa o vento soprar, let it be

Fique pelo menos com o gostinho de ter brilhado um pouco

Caio Fernando Abreu

segunda-feira, 11 de maio de 2009

Pra ti


Foi para ti
Que desfolhei a chuva
Para ti soltei o perfume da terra
Toquei no nada
E para ti foi tudo

Para ti criei todas as palavras
E todas me faltaram
No minuto em que talhei
O sabor do sempre

Para ti dei voz
Às minhas mãos
Abri os gomos do tempo
Assaltei o mundo
E pensei que tudo estava em nós
Nesse doce engano
De tudo sermos donos
Sem nada termos
Simplesmente porque era de noite
E não dormíamos
Eu descia em teu peito
Para me procurar
E antes que a escuridão
Nos cingisse a cintura
Ficávamos nos olhos
Vivendo de um só
Amando de uma só vida



Mia Couto

domingo, 10 de maio de 2009

Meu jeito


palavras são meu jeito mais secreto de calar



Lya Luft

Mães Más

Um dia quando meus filhos forem crescidos o suficiente para entender a lógica que motiva os pais e as mães, eu hei de dizer-lhes:

- Eu os amei o suficiente para ter perguntado aonde vão, com quem vão e a que horas regressarão. - Eu os amei o suficiente para não ter ficado em silêncio e fazer com que vocês soubessem que aquele novo amigo não era boa companhia. Eu os amei o suficiente para os fazer pagar as balas que tiraram do supermercado ou revistas do jornaleiro, e os fazer dizer ao dono: "Nós pegamos isto ontem e queríamos pagar". Eu os amei o suficiente para ter ficado em pé junto de vocês, duas horas, enquanto limpavam o seu quarto, tarefa que eu teria feito em 15 minutos. Eu os amei o suficiente para os deixar ver além do amor que eu sentia por vocês, o desapontamento e também as lágrimas nos meus olhos. Eu os amei o suficiente para os deixar assumir a responsabilidade das suas ações, mesmo quando as penalidades eram tão duras que me partiam o coração. Mais do que tudo, eu os amei o suficiente para dizer-lhes não, quando eu sabia que vocês poderiam me odiar por isso (e em momentos até o diaram). Essas eram as mais difíceis batalhas de todas. Estou contente, venci... Porque no final vocês venceram também! E em qualquer dia, quando meus netos forem crescidos o suficiente para entender a lógica que motiva os pais e as mães, quando eles lhes perguntarem se sua mãe era má, meus filhos vão lhes dizer: "Sim, nossa mãe era má. Era a mãe mais má do mundo...".

- As outras crianças comiam doces no café e nós tínhamos que comer cereais, ovos e torradas. As outras crianças bebiam refrigerante e comiam batatas fritas e sorvete no almoço e nós tínhamos que comer arroz, feijão, carne, legumes e frutas. E ela nos obrigava a jantar a mesa, bem diferente das outras mães que deixavam seus filhos comerem vendo televisão. Ela insistia em saber onde estávamos a toda hora (tocava nosso celular de madrugada e "fuçava" nos nossos e-mails). Era quase uma prisão.

Mamãe tinha que saber quem eram nossos amigos e o que nós fazíamos com eles. Insistia que lhe dissemos com quem íamos sair, mesmo que demorássemos apenas uma hora ou menos. Nós tínhamos vergonha de admitir, mas ela "violava as leis do trabalho infantil". Nós tínhamos que tirar a louça da mesa, arrumar nossas bagunças, esvaziar o lixo e fazer todo esse tipo de trabalho que achávamos cruéis.

Eu acho que ela nem dormia à noite, pensando em coisas para nos mandar fazer. Ela insistia sempre conosco para que lhe disséssemos sempre a verdade e apenas a verdade. E quando éramos adolescentes, ela conseguia até ler os nossos pensamentos. A nossa vida era mesmo chata. Ela não deixava os nossos amigos tocarem a buzina para que saíssemos, tinham que subir, bater à porta, para ela os conhecer. Enquanto todos podiam voltar tarde à noite, com 12 anos, tivemos que esperar pelos 16 para chegar um pouco mais tarde, e aquela chata levantava para saber se a festa foi boa ( só para ver como estávamos ao voltar).

Por causa de nossa mãe, nós perdemos imensas experiências na adolescência: Nenhum de nós esteve envolvido com drogas, em roubo, em atos de vandalismo, em violação de propriedade, nem fomos presos por nenhum crime.

Foi tudo por causa dela. Agora que já somos adultos, honestos e educados, estamos a fazer o nosso melhor para sermos "Pais Maus", como minha mãe foi. Eu acho que este é um dos males do mundo de hoje : Não há suficientes Mães Más.

Dr. Carlos Hecktheuer

Essa tal Felicidade


Felicidade é um estado de espírito

Que nos faz rir à toa

Que nos faz levantar um brinde

Com copo d'água

E dizer bom dia

Mesmo com a chuva

Molhando nossos sapatos furados.


Cláudio Duarte

sexta-feira, 8 de maio de 2009

...


"...você foi o caso mais antigo

O amor mais amigo que me apareceu

Das lembranças que eu trago na vida

Você é a saudade que eu gosto de ter..."




Era uma vez......

um músico

que acreditava que ao entonar uma canção mágica

numa borboleta se fazia...

Mas um dia

ao pousar na rosa que sempre o acolhia

ouviu uma linda canção

que a rosa ouvia...

e assistiu fascinado

a rosa se transformar

numa deusa que sorria...

e até hoje a história se repete...

seja de noite ou seja de dia

e os dois se encontram no jardim

e escutam música em harmonia

Não é a canção que é mágica

Nem é da deusa a magia...

O que os une é o amor...

O mesmo amor...

Que um dia

também criou a melodia...


B. e P.




Dizia -se uma vez...

Que um encanto uma fada fez.

Entre um casal que muito amor unia

E que a palavra de tanto amor sumia,

A fada fez surgir os três pontinhos por magia.

E no contato dos lábios

A tradução desse novo dialeto se fazia.

E até hoje...

Muitos tentam o significado saber

Mas sem amor não tem como ler.

O que se sabe,

E que depois de um longo beijo

E com os lábios ainda repletos de desejo

Do casal embebecido de amor

Em um sussurro quase de dor

Ouve - se ...

" Eu te amo, te amo demais..."

Viver de Amor


Agora eu era linda outra vez
E tu existias e merecíamos
Noite inteira um tão grande
Amor

Agora tu eras como o tempo
Despido dos dias, por fim
Vulnerável e nu, e eu
Era por ti adentro eternamente

Lentamente
Como só lentamente
Se deve morrer de amor




Valter Hugo

De olhos fechados


Deita-te aqui comigo de olhos fechados

Quero que percebas que no mais fundo

E secreto de mim

Há negrume e silêncio

E como do negrume e do silêncio

Podem nascer as cores e renovar-se a alma

Basta que te deites aqui comigo

Resumindo a noite como quando se dorme



Cláudia Caetano

Só com Amor


Só ficará de ti

O que fizeste por amor

O resto não valeu:

Foi apenas poeira

Que se ergueu em teu redor

E o vento varreu



Só ficará de ti

O que escreveste com paixão

O resto não contou:

Foi tão-só uma sombra

Que passou

Pura ilusão

E nem rastro deixou



Torquato da Luz

Poema

O poema é absolutamente pessoal
E por isso indefinível
Quem não souber nem sentir
De forma imediata
O que é a poesia
Nunca poderá aprendê-lo
Poesia é poesia
Diferente, como a noite do dia
Da arte da fala e da palavra



João Barrento

quarta-feira, 6 de maio de 2009

Bem baixinho


Noite no templo

Do alto da montanha

Posso levantar a mão

Acariciar as estrelas

Mas não ouso falar

Em voz alta

Receio assustar

Os habitantes do céu.


Li Bai

Se...

Se eu própria me bastasse

Fugiria para sempre

Do teu corpo, das mãos quentes

Mas sou frágil como um grão de neve

Derreto-me com leves sussurros

E a ternura estonteia-me

Sofro de constante abstinência de amor


Pedro Paixão

sexta-feira, 1 de maio de 2009

Pergunta-me


Se eras tu

Que reunias pedaços do meu poema

Reconstruindo

A folha rasgada

Na minha mão descrente



Qualquer coisa

Pergunta-me qualquer coisa

Uma tolice

Um mistério indecifrável

Simplesmente

Para que eu saiba

Que queres ainda saber

Para que mesmo sem te responder

Saibas o que te quero dizer



Mia Couto

Viagem pelo Céu


As meninas são todas como eu:

A guardar astros que serão bordados

A recolher os olhos deslumbrados

Depois de uma viagem pelo céu...



Natércia Freire

Doce


Sou a quitandeira mais doce
Que todos os doces de coco
Minha boca é tão docinha
Como a fruta da minha quinta
Tenho os seios para dar
Duas laranjas do loje
Tenho nos olhos pitangas
Tão boas de namorar
Tenho o Sol na barriga
E doçura da manga nos braços
Quem quer a minha vida
Pra adoçar os seus cansaços?



António Cardoso

Cor



É preciso soltar o ritmo que me prende.

Esta amarra de ferro à palavra e ao som.

Emudecer, no espaço, o arco e a corrente

E ser nesta varanda um pouco só de cor.

Não saber se uma flor é mesmo uma criança.

Se um muro de jardim é proa de navio.

Se o monumento fala, se o monumento dança.

Se esta menina cega é uma estátua de frio.

Um pássaro que voa pode ser um perfume.

Uma vela no rio, um lenço no meu rosto.

Na tarde de Fevereiro estar um dia de Outubro.

Nos meus olhos de morta uma noite de Agosto.

É preciso soltar o ritmo das marés,

Das estações, do Amor, dos signos e das águas,

Os duendes das plantas, os génios dos rochedos

Nos cabelos do Vento, as tranças de arvoredos.

Desordenai-me, luz!

Que nada mais dependa

Das águas, das marés, dos signos e do Amor.

É preciso calar o arco e a corrente

E ser nesta varanda um pouco só de cor




Natércia Freire

Melodia


Além de amor, o meu amor quer melodia...


David Mourão-Ferreira